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segunda-feira, 14 de março de 2011

Texto II


A revista Nature tem publicado uma série de correspondências sobre um assunto muito controverso: o uso de drogas para melhorar o desempenho cognitivo. Essas medicações poderiam ser usadas tanto por pessoas normais como para aquelas com problemas mentais. Quais são os pró-s e os contra? Trata-se de uma polêmica que interessa a todos nós. Para falar desse assunto entrevistei o doutor João Ricardo Oliveira que é neurogeneticista, professor e coordenador do ambulatório de saúde mental do hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e que participou deste debate publicado na revista Nature de janeiro.

VEJA.com - Algumas empresas americanas já testam o uso de drogas visando o aumento do desempenho mental e procurando eliminar as deficiências e efeitos colaterais das medicações que já estão disponíveis como "potencializadores cognitivos" na doença de Alzheimer, déficit de atenção e hiperatividade. Qual é a sua opinião sobre o uso de drogas para melhorar o desempenho intelectual?

João Ricardo Oliveira – Como neurocientista, estou receoso. A nossa rotina atual de competição e demanda mental, já diminuiu drasticamente o tempo disponível para a família, o lazer e o sono. Ela pode representar um importante gatilho para doenças mentais tais como depressão, ansiedade e pânico, levando até ao uso de drogas ilícitas. A questão fundamental é: o mundo está melhor por podermos competir mais, dirigir carros mais rápidos, ter mais acesso à informação, assistir a centenas de canais na TV e navegar a internet cada vez mais? Qual será o impacto dessas drogas? Ter uma rotina ainda mais frenética da que já temos?
E ingestão de café ou outras substâncias ricas em cafeína? Também não são estimulantes cerebrais?
Realmente, quase todos nós tentamos estimular nosso cérebro diariamente ao tomar café e outras substâncias ricas em cafeína, tais como refrigerantes, chocolate, chás ou outros fitoterápicos. Isto é natural e aceito por todos, mas não deixa de se caracterizar como o uso de agentes externos para aumentar nossa atenção, capacidade de memorização e rapidez de resposta. O que o debate atual sobre "doping intelectual" traz de novo é a necessidade de se avaliar do ponto de vista médico, ético e social, o impacto da possível liberação de medicamentos que foram e continuam sendo usados para tratar problemas como doenças de Alzheimer, distúrbios do sono e déficit de atenção, agora por indivíduos que querem tirar melhores notas, passar em concursos, ou simplesmente trabalhar mais ou adquirir mais informação em menos tempo.
Esses medicamentos já não são usados por estudantes em vésperas de provas?
De fato, há anos estes medicamentos estão sendo usados clandestinamente por estudantes, mas também por executivos, médicos plantonistas e outros profissionais que são submetidos a forte demanda intelectual. Estudos controlados já publicados mostram que realmente, algumas destas medicações melhoram o desempenho em testes de memória e velocidade de resposta. Este tema é controverso pois toca em um ponto delicadíssimo que é o principio da igualdade na competição escolar e em outros setores. Por outro lado, se pensarmos que aulas particulares e acesso a escolas diferenciais, com excelentes técnicas pedagógicas e recursos audio-visuais, veremos que nossa realidade já caracteriza uma competição desigual na obtenção do sucesso profissional/escolar.
O que tem mostrado o acompanhamento de crianças que tomaram essas medicações?

Os estudos conhecidos em crianças se limitam ao uso destas medicações em situações com indicação médica, tais como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), com uma boa resposta em casos bem indicados. O que não sabemos são os resultados em adultos normais que estão fazendo o uso indevido destes medicamentos.
Além do desempenho intelectual, algumas características tem sido observadas em pessoas de sucesso. O senhor poderia falar a respeito?
O estudo de crianças superdotadas mostra que outras habilidades, além da memorização ou mesmo QI são tão ou mais necessárias para o sucesso. A capacidade de trabalhar em grupo, liderar, ter autoconfiança, foco, iniciativa e resistência à frustração, são tão importantes – ou até mais – quanto um momento isolado de grande desempenho na vida escolar, universitária e profissional das pessoas. Duas características muito importantes são também a disposição para se superar, estabelecendo metas desafiadoras, e a firmeza nos objetivos de vida. Aprendendo com as tentativas anteriores para sempre melhorar e se superar, sem esquecer que a vida é bem mais do que só sucesso ou aprovação social.
Por Mayana Zatz

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