Leve Além...

domingo, 16 de outubro de 2011

Grupo com o tema eutanasia : texto de APOIO



Texto base para as discussões sobre eutanásia

Artigo publicado na “Revista de Direito Constitucional e Internacional”, Ano
15 – Janeiro-Março – 2007 – nº 58. – Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional, Ed. RT – pp. 39 a 50.

Trata-se de tema delicado, a morte da pessoa humana, que possui vários aspectos, entre os quais podemos mencionar: jurídico, clínico, moral, emocional, social, cultural, religioso, filosófico. Em nossa cultura, em que sempre estamos voltados para o que é bom e agradável, para a vida, esse tema é quase um tabu. Não se deve e, em muitos casos, não se pode falar na morte.
Aprendemos que não é conveniente nem educado tocar neste assunto. Pessoas há que não pronunciam a palavra morte. Preferimos usar sinônimos, termo técnicos e eufemismos. Ocorre, porém, que os seres humanos são mortais, ou seja, a vida humana tem começo, meio e fim.
Neste estudo, abordamos o tema terminalidade da vida, que se refere à etapa final da vida humana, nos casos em que a pessoa é acometida de doença grave, incurável de acordo com os conhecimentos atuais da Medicina e nesses casos, não raras vezes, cogita-se o assunto eutanásia, bem como a doação de órgãos para transplantes. O vocábulo eutanásia é formado pela associação do prefixo grego eu, cujo significado é bom, com a palavra Thanatos, que era o deus que representava a morte, filho da noite, irmão de Hypnos, deus do sono na mitologia grega.
Atribui-se a criação do termo eutanásia, com o significado de “boa morte”, ao filósofo inglês Francis Bacon, em seu livro “História da Vida e da Morte”, publicado em 1623. O termo tem sido usado para significar “morte sem sofrimento”, morte caridosa”, morte sem dor”, “morte piedosa”1. Existem várias classificações referentes à eutanásia, incluindo modalidades sociais, econômicas, judiciais, religiosas. Neste estudo abordaremos exclusivamente a classificação referente a modalidades clínicas e o modo como o direito positivo brasileiro disciplina o tema.
         Enfocamos, outrossim, a doação de órgãos e a legislação pertinente no direito pátrio, com a finalidade da realização de transplantes de órgãos. Essa modalidade terapêutica já era realizada desde a década de 50 (o primeiro transplante renal bem sucedido efetuou-se em 1954), mas a partir do desenvolvimento dos medicamentos imunossupresores, que permitiram o controle do mecanismo de rejeição, mais precisamente nas décadas de 70 e 80, houve a possibilidade de realização de maior número de transplantes2. O desenvolvimento  os transplantes de órgãos teve reflexo nos critérios utilizados para a verificação da morte, pois a principal fonte de órgãos para transplantes é o ser humano3. O novo critério de morte adotado, a partir de 1971, foi o de morte encefálica, que progressivamente passou a ser  dotado pela maior parte dos países ocidentais4. Sem termos pretensão alguma de esgotar tais temas, trazemos alguns elementos para discussão e reflexão a respeito de tão importantes e delicados assuntos.



Explicação dos termos

Inicialmente, cabe uma explicação no que respeita à terminologia utilizada neste estudo: em Medicina os termos são unívocos, diferentemente do Direito, em que os termos muitas vezes são biunívocos, equívocos ou análogos. Fase terminal – “por fase ou doença terminal se compreende uma condição patológica que leva a pensar em uma expectativa de morte em breve tempo como consequência direta da doença”5.
Paciente terminal – “por paciente terminal se designa uma pessoa portadora de doença terminal que, em pouco tempo, com muita probabilidade morrerá”6.
Eutanásia “consiste em ato de produzir a morte fácil e sem sofrimento de um indivíduo portador de moléstia incurável”7.
Ortotanásia8 consiste na “suspensão de meios medicamentosos ou artificiais de vida de um paciente em coma irreversível e considerado em ‘morte encefálica’, quando há grave comprometimento da coordenação da vida vegetativa e da vida de relação”9.
Devemos relatar a recente tendência da classe médica de suprimir a expressão ortotanásia e substituí-la por terminalidade da vida, porque o final da vida é um processo, a apresentar fatores variáveis, com a necessidade de cuidados paliativos que atenuem e o tornem o menos doloroso (em todos os sentidos do termo, seja físico, moral, emocional) possível, tanto para o paciente, quanto para os seus familiares e amigos.
O artigo 1º da Resolução nº 1805 de 09 de novembro de 2006 do CFM (Conselho Federal de Medicina) dispõe que “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”.
O artigo segundo da referida resolução determina que “o doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar”.
Distanásia “é o tratamento insistente, desnecessário e prolongado de um paciente terminal, que não apenas é insalvável, mas também submetido a tratamento fútil.”10
Não há uma definição de futilidade universalmente aceita, haja vista que o seu significado é difícil de ser caracterizado concretamente. Geralmente entende-se que fútil é algo inapropriado, não indicado, inútil, ineficaz11. Robert Truog12 o qualifica da seguinte forma: “Um problema de futilidade, nada é capaz de defini-lo, mas todos o reconhecem quando o vêem”.
De acordo com Definição da Organização Mundial da Saúde de 2002, “cuidado paliativo é a abordagem que melhora a qualidade de vida do paciente e seus familiares que enfrentam uma doença que ameaça a vida.
Promove o alívio da dor e de outros sintomas e proporciona suporte espiritual e psicossocial desde o diagnóstico até o fim da vida e o período de luto”. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia (art. 4º da Resolução do Conselho Federal de medicina nº1480 de 08 de agosto de 1997).



Ética – Ética Médica – Bioética

Ética é “o estudo sistemático das ações voluntárias que constituem a conduta e o comportamento diários do ser humano”. Pode ser classificada como descritiva ao observar e registrar o comportamento das pessoas e normativa a que analisa se determinada conduta é boa e correta, ao considerar os comportamentos pessoal e social13.
Refere-se, a ética médica, à ética normativa aplicada à Medicina, haja vista que são aplicados os mesmos princípios gerais nos problemas e situações médicas14. O juramento de Hipócrates foi o primeiro pronunciamento da ética aplicado à Medicina e que sobrevive através dos séculos até os dias de hoje e constitui um compromisso relevante na prática médica atual15.
O termo bioética surgiu em 197016. Refere-se a questões pluridisciplinares. Segundo a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos “a Declaração trata das questões éticas relacionadas à Medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais”17. São quatro os princípios cardinais da ética médica e foram adotados pela bioética. São os seguintes:
O princípio de autonomia “estipula que qualquer ato que tenha consequências
para outrem seja subordinado ao consentimento da pessoa envolvida. Sem esse acordo, a ação não é legítima e o uso da força para resistir a ela é moralmente defensável.18” Este princípio determina que o médico transmita ao paciente informações cuidadosas da verdade sobre o diagnóstico e prognóstico, sobre as opções de conduta, sobre o planejamento do tratamento e das futuras expectativas, de modo que o paciente tenha condições de entender a sua real situação19.
O princípio da beneficência “considera que a ação deve tender para a realização do bem tendo em consideração a concepção do bem de outrem.20” Fundamenta-se, este princípio, em longa tradição da ética médica a reconhecer como objetivo básico da Medicina o bem-estar do paciente, de modo a incluir neste tópico que “os interesses do paciente estão em primeiro lugar”21.
O princípio da não maleficência “impõe a obrigação de garantir que os benefícios de uma ação superam os malefícios, segundo o preceito hipocrático primum non nocere.22” Esta frase em latim, de origem desconhecida, não corresponde a uma tradução literal do juramento de Hipócrates, que solicita dos médicos o “cumprimento do que é benéfico aos seus pacientes e evitar tudo o que for prejudicial e danoso”23.
O princípio da Justiça “exprime a exigência de uma regulação ética das relações entre os homens que vivem em sociedade. As suas interpretações tradicionais e racionais são diversas e estão sempre a serem debatidas. O princípio de Justiça é crucial para a bioética, desde que ela tome em consideração as dimensões sociais, políticas e econômicas das questões que
suscita.24”.
O princípio formal da justiça e igualdade atribuído a Aristóteles sustenta o princípio da Justiça acatado inicialmente pela ética médica e posteriormente pela bioética, indicando que todos os pacientes devem ter acesso a um mesmo nível de adequado de tratamento de saúde, bem como à distribuição dos recursos disponíveis de tratamento25.
Devemos observar que não existe hierarquia entre os quatro princípios, o que pode fornecer soluções diferentes conforme o princípio que se privilegia. Não há, portanto, possibilidade de prever, antecipadamente, que atitude será adotada com um determinado doente26. O entendimento ético da classe médica é no sentido da defesa da saúde e da dignidade do ser humano e veda todo e qualquer ato que atente contra a vida humana27, assim o Código de Ética Médica determina o seguinte:

Art. 6º - “O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade”.

Art. 66 – “Veda ao médico, em qualquer caso, o uso de meios destinados a abreviar a vida do paciente”.
O Capítulo III do código de Ética Médica, que trata da responsabilidade profissional, determina que é vedado ao médico:

Art. 42 – “Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência”.



Princípio da dignidade da pessoa humana – Valor basilar de nosso
ordenamento jurídico

Nos diversos países o tema é entendido de acordo com os valores de seu povo, informados pela cultura, formada pela ética, moral, religião, costumes, que informam todas as atividades de uma sociedade, inclusive o Direito, que disciplina essas referidas atividades e que, por sua vez, é informado por esses mesmos valores. Observa-se que, apesar de todo o conjunto de fatores que formam a cultura de uma sociedade informarem o Direito, é ele que tem a força coercitiva necessária para ditar as leis, o que efetivamente vai obrigar ou impedir determinados comportamentos.
No que respeita a este tópico, a nossa sociedade elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos principais e, segundo penso, o principal valor, como valor basilar e do qual todos os demais valores decorrem. Consiste em um princípio cristão28, que informa todo o nosso ordenamento jurídico, haja vista que está positivado já no artigo 1º de nossa Constituição como um dos fundamentos da República, pois a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana (grifamos), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político.
Trata-se de norma constitucional de eficácia plena na lição de Meirelles Teixeira29, ou seja, produz, desde o momento de sua promulgação, todos os efeitos essenciais, todos os objetivos especialmente visados pelo legislador constituinte e incide direta e imediatamente, de modo pleno, sobre a matéria que lhe constitui objeto (comportamentos, situações, interesses, organizações etc.). Isto significa que toda a legislação pátria está submetida a esses fundamentos, porquanto a todo o nosso ordenamento jurídico eles se aplicam, incluindo todas as outras normas constitucionais e infraconstitucionais, de modo que nada que fira ou avilte a dignidade da pessoa humana é acolhido em nosso ordenamento jurídico.
O artigo 5º do texto constitucional determina que todos são iguais perante a lei e garante a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, a segurança, aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País.

Observa-se que tanto a República, quanto a Democracia são originadas no princípio da Igualdade, que por sua vez, origina o princípio da Liberdade, visto que não há hierarquia entre iguais, não é lícito que uma pessoa humana seja proprietária de outra pessoa humana. Ora, não é possível falar em garantir a inviolabilidade do direito à vida, em Liberdade e em Igualdade sem se pensar em dignidade da pessoa humana. Todos este valores decorrem de se admitir a dignidade da pessoa humana como valor principal e basilar.
A sustentar este entendimento, mencionamos a seguinte exposição de Humberto Ávila30: “Como se vê, os princípios são normas imediatamente finalísticas. Eles estabelecem um fim a ser atingido. Como bem define Ota Weinberger, um fim é ideia que exprime uma orientação prática. Elemento constitutivo do fim é a fixação de um conteúdo como pretendido”.
Consiste a dignidade da pessoa humana em princípio absoluto e neste sentido, entende-se que a pessoa humana é um minimum invulnerável que deve ser assegurado por todo estatuto jurídico, pois ainda que se opte, em determinada situação, pelo valor coletivo, essa opção não poderá nunca sacrificar ou ferir ovalor da pessoa humana31.

______________________

1 PETROIANU, Andy. Ética, Moral e Deontologia Médicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p.
251.
2 HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Nova Enciclopédia da Bioética. Portugal: Instituto Piaget, 2003,
p.661.
3 HOTTOIS, GILbert; MISSA, Jean-Noël. Op. cit., p. 661.
4 HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Op. cit., p490.
5 URBAN, Cícero de Andrade. Bioética Clínica. Rio de Janeiro: REVINTER, 2003, p. 496.
6 URBAN, Cícero de Andrade. Op. cit., p. 496.
7 BLAKISTON. Dicionário Médico. 2ª Ed. São Paulo: Organização Andrei Editora Ltda., p. 410.
8 Está em andamento a elaboração de texto legal com o fito de disciplinar expressamente a ortotanásia. Até a
conclusão deste artigo, a situação referente à matéria está do seguinte modo: Cláudia Collucci (in Folha de
São Paulo, dia 17.11.06) informa que “há um anteprojeto do Código Penal que está na CCJ (Comissão de
Constituição e Justiça) que regulamenta o assunto e que, a CNBB (Conferència Nacional dos Bispos do
Brasil) colocou-se favoravelmente à ortotanásia, citando uma encíclica do papa João Paulo 2º, em que afirma
que a prática, feita “com sério discernimento”, representa “a aceitação da condição humana diante da morte”.
9 URBAN, Cícero de Andrade. Op. cit., p. 538.
10 URBAN, Cícero de Andrade. Op. cit., p. 538.
11 URBAN, Cícero de Andrade. Op. cit., p. 515.
12 TRUOG, Robert, apud Cícero de Andrade Urban, op. cit., p. 515.
13 BASTOS, Antonio Francisco; PALHARES, Fortunato Badan; MONTEIRO, Antonio Carlos. Medicina
Legal Para Não Legistas. São Paulo: Copola Editora, 1998, p. 243.
14 Idem, p. 243.
15 Idem, p. 243.
16 HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Nova Enciclpédia da Bioética. Portugal: Instituto Piaget, 2003, pp.
112 a 114.
17 Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, Tradução e revisão final sob a responsabilidade
da Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília (UnB) e da Sociedade Brasileira de Bioética
(SBB).
18 HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Op. cit., pp. 70.
19 BASTOS, Antonio Francisco; PALHARES, Fortunato Badan; MONTEIRO, Antonio Carlos. Op. cit., p.
245.
20 HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Op. cit., p. 88.
21 BASTOS, Antonio Francisco; PALARES, Fortunato Badan; MONTEIRO, Antonio Carlos. Op. cit., p. 245.
22 HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Op. cit. p. 495.
23 BASTOS, Antonio Francisco; PALHRES, Fortunato Badan; MONTEIRO, Antonio Carlos. Op. cit., p. 246.
24 HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Op. cit. p. 449.
25 BASTOS, Antonio Francisco; PALHARES, Fortunato Badan; MONTEIRO, Antonio Carlos. Op. cit., p.
246.
26 HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Op. cit. p. 72.
27 PETROIANU, Andy. Ética, Moral e Deontologia Médicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p.
252.
28 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4ª Ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003, p. 193.
29 MEIRELLES TEIXEIRA, Curso de Direito Constitucional Organizado e atualizado por Maria Garcia,
Rio de Janeiro, 1991, 1ª Ed., p. 317.
30 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 79.
31 SANTOS, Fernando Ferreira. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Celso
Bastos Editor, 1999, p. 94.

Grupo com tema política: texto de APOIO para o grupo de política



 A POLITICA EM NOSSAS VIDAS

A maioria das pessoas vê a política como uma atividade exercida somente por pessoas mentirosas ou de caráter duvidoso, o que não é verdade, pois grandes homens foram políticos ou são admirados precisamente devido às conseqüências políticas de seus atos.
A política na verdade não é só discursos, promessas e eleições, é ela que conduz a nossa existência coletiva, com reflexos imediatos sobre nossa existência individual, nossa prosperidade ou pobreza, nossa educação ou falta de educação, nossa felicidade ou infelicidade.
Podemos por escolha pessoal não nos preocupar com a política e nem com os políticos, mas devemos ter consciência que essa atitude de passividade acaba favorecendo a quem com segundas intenções, por ela se interessa.
Quando afirmamos que a política não nos interessa, estamos sendo “político conservador”, pois estamos satisfeitos com a situação e não vemos necessidade de mudá-la.
Se a política, como se diz, está entregue a pessoas ruins, a culpa é nossa pessoas boas que não nos envolvemos com essa atividade que julgamos ser suja e insuportável.
A dedicação à coletividade quando não é dotada de interesses pessoais ou mesquinhos, mas por ideais que tenham como objetivo o bem-estar da coletividade, é um ato nobre que deve ser reconhecido por toda comunidade.
A participação na política não se faz só através da filiação em um partido político, mas sim através do acompanhamento das atividades do município procurando saber de que maneira o dinheiro público é gasto, se ele está sendo aplicado de forma correta, acompanhando a prestação de contas das despesas públicas, fiscalizando, denunciando qualquer irregularidade. Agindo assim você esta sendo um político participativo e está exercendo plenamente a cidadania.
O voto secreto é o direito que a pessoa tem de votar, em eleições, em segredo, sem que outras pessoas saibam em quem o eleitor votou a menos que ela conte. É uma forma de evitar pressão sobre os eleitores, e também evitar a coação.


                                                                       Voto secreto

No Brasil, o voto secreto foi implantado, pela primeira vez, no pleito de 1925 do Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade que representa até hoje os estudantes da Faculdade de Direito da USP. Posteriormente, houve uma experiência, em Minas Gerais, por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, em 1929, em uma votação suplementar para vereador. E foi institucionalizado, em 1932, pelo primeiro Código Eleitoral do Brasil.
O voto secreto tem um valor essencial para garantir que o voto expresse realmente a vontade do eleitor.
A votação secreta, também tem o objetivo de proibir a compra de votos, garantindo democracia total.
À frente da urna, há uma cabine, que leva o brasão da República Federativa Do Brasil, é ela que dá a certeza ao eleitor que seu voto é realmente secreto.
Quando o voto era aberto, o voto de seu curral eleitoral, eram controlados pelos coronéis. Ninguém votava em candidato diferente do coronél, pois, com certeza, sofreria algum tipo de represália. Isso ficou conhecido como Voto de cabresto.



Deputados dizem que voto secreto favoreceu Jaqueline Roriz

Congresso tem poderoso espírito de corpo', disse presidente do PSDB.
Deputada flagrada em vídeo recebendo dinheiro foi absolvida por 265 a 166.


Deputados que defenderam a cassação da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) disseram que o voto secreto foi o principal fator que levou à absolvição da parlamentar. Para o deputado Sérgio Guerra (PE), presidente nacional do PSDB, prevaleceu o "espírito de corpo".
Jaqueline Roriz foi absolvida por 265 votos contra 166 e 20 abstenções da acusação de quebra de decoro parlamentar. Ela foi flagrada em um vídeo, divulgado em março, recebendo dinheiro de Durval Barbosa, delator do chamado "mensalão do DEM" no Distrito Federal.
O presidente do PSDB, deputado federal Sérgio Guerra (PE), classificou como "previsível" a decisão do plenário. Segundo Guerra, o Congresso tem "poderoso espírito de corpo".
"Foi previsível. Não houve mobilizaçao pública sobre a questão, e o Congresso tem poderoso espírito de corpo", afirmou o deputado.
Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), o voto secreto permitiu "que a impunidade continue". “Certamente foi o principal fator para a absolvição. O Conselho de Ética pode apresentar o melhor julgamento, a melhor prova. O relatório do deputado Carlos Sampaio foi objetivo e consistente, mas não foi capaz de mostrar ao conjunto da Casa que era preciso dar uma demonstração de que o Parlamento está disposto a punir irregularidades”, disse Valente.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) também reclamou do voto secreto. “A votação é secreta e o perigo mora aí”, afirmou Alencar antes da votação que absolveu Jaqueline Roriz. Após a votação, afirmou: “O voto secreto é vergonhoso”.
O deputado Reguffe (PDT-DF) classificou de "absurdo" o sigilo determinado pela Constituição aos processos de cassação parlamentar. “O eleitor tem sempre o direito de saber como seu representante vota. Faço um apelo para que essa regra mude, porque o voto secreto é a matriz da indústria da impunidade”.
Para o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), “é evidente que o voto secreto contribuiu para a absolvição. O Parlamento se afasta da sociedade quando utiliza o voto secreto, está na contramão da vontade da sociedade. O melhor caminho é acabar com o voto secreto”.



       Leia e Reflita

O voto secreto no Legislativo é garantido pela própria constituição, conforme podemos conferir:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
                                         Constituição Federal, grifos por minha conta
E porque a Constituição Federal, maior documento de uma república federativa (olha só que coisa, o Brasil é uma república federativa), traz, no art. 55, parágrafo 2º a determinação que a votação para cassação de mandato seja secreta?!
Lendo um pouco a respeito da história do nosso país sabe-se que esse tipo de votação já foi aberta e nominal, olha só que interessante, exatamente na… ditadura militar! Leia:
Para ilustrar a importância do voto secreto, vou citar apenas uma norma, constante do § 3o do art. 59 dessa Constituição:
“§ 3o – Comunicado o veto ao Presidente do Senado Federal, este convocará as duas Câmaras para, em sessão conjunta, dele conhecerem, considerando-se aprovado o projeto que, dentro de quarenta e cinco dias, em votação pública (grifei), obtiver o voto de dois terços dos membros de cada uma das Casas. Nesse caso, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.”
Voltando um pouco mais na história, lembrei de um certo Montesquieu, que resolveu dividir a organização dos governos em 3 poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Lembrei que cada um dos poderes deve ter igual importância e que eles deveriam se fiscalizar.
“ ...Por que raios eu lembrei disso?! Ora, garotinhas e
garotinhos
 demais seres humanos, porque imaginem os senhores se a nossa querida Dilma (é a presidenta do país, ok?!) resolvesse exigir a cassação dos deputados que não lhe agradassem, oferecendo, por exemplo, cargos aos que votassem em favor da tal cassação?! Ou o contrário, que ela exigisse que fulano não fosse cassado, dando punições a quem votasse favoravelmente?! É preciso lembrar que os poderes têm vida própria, regras próprias. É bom que seja assim. Ainda que por conta disso a tal Roriz não seja cassada... ”


Tire suas próprias conclusões, pesquise mais....

Grupo com tema homofobia: Texto para o grupo de Homofobia




Homofobia

Muitos fenômenos sob o mesmo nome

Prof. Dr. Marco Aurélio Máximo Prado*

            A homofobia como termo para designar uma forma de preconceito e aversão às homossexualidades em geral tem se lançado na sociedade brasileira com alguma força política, conceitual e analítica nos últimos anos. Ainda que, do ponto de vista histórico e analítico, não revele mais a complexidade das formas de hierarquização sexual, violência e preconceito social, é um conceito que hoje carrega um sem-número de sentidos e fenômenos que ultrapassam a sua descrição conceitual primeira.
O conceito tem sido utilizado para fazer referência a um conjunto de emoções negativas (aversão, desprezo, ódio ou medo) em relação às homossexualidades. No entanto, entendê-lo assim implica limitar a compreensão do fenômeno e pensar o seu enfrentamento somente a partir de medidas voltadas a minimizar os efeitos de sentimentos e atitudes de “indivíduos” ou de “grupos homofóbicos”, deixando de lado as instituições sociais que nada teriam a ver com isso. Desde que foi cunhado, em 1972, em referência ao “medo expresso por heterossexuais de estarem em presença de homossexuais”, o conceito passou por vários questionamentos e ressignificações (Junqueira, 2007). No entanto, o termo,

* Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros) da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista do CNPq e da Fapemig. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.

a partir de meados dos anos 1970, ganhou notoriedade e conheceu considerável êxito, especialmente nos países do Norte, e foi adquirindo novos contornos semânticos e políticos. Além de ser empregado em referência a um conjunto de atitudes negativas em relação a homossexuais, o termo, pouco a pouco, passou a ser usado também em alusão a situações de preconceito, discriminação e violência contra pessoas LGBT. Passou-se da esfera estritamente individual e psicológica para uma dimensão mais social e potencialmente mais politizadora. Mais recentemente, verifica-se a circulação de uma compreensão da homofobia como dispositivo de vigilância das fronteiras de gênero que atinge todas as pessoas, independentemente da orientação sexual, ainda que em distintos graus e modalidades.
            Este livro, oportunamente traduzido para o português, acompanha o movimento de atualização do preconceito sexual na sociedade contemporânea. Para além da origem psíquica das fobias, Daniel Borrillo não só traz para o debate as origens históricas da homofobia, mas também enfatiza a intensa relação entre a homofobia individual e as formas de homofobia institucional, jurídica e social. Nesse ponto, cabe-nos ressaltar um dos aspectos que merecem ser sublinhados neste livro: a sua atualidade, marcada por uma compreensão da complexa relação entre as instituições, a cultura, as leis e os indivíduos quando se trata de compreender a homofobia muito além de qualquer sentimento de aversão individual de cunho psicológico. Aí, sem dúvida, podemos perceber a importância de uma abordagem para o fenômeno da homofobia ao considerar também que as instituições revelam-se espaços de produção, reprodução e atualização de todo um conjunto de disposições (discursos, valores, práticas, etc.) por meio das quais a heterossexualidade é instituída e vivenciada como única possibilidade legítima de expressão sexual e de gênero (Warner, 1993).
No Brasil, o livro de Daniel Borrillo vem sendo bastante utilizado, mesmo sem uma tradução para o português até o momento, e ganhou importante espaço em debates entre grupos de pesquisa e ativistas, exatamente pela sua atualidade ao evidenciar as relações entre indivíduos e sociedade numa cumplicidade silenciosa e perversa sobre as formas de inferiorização e preconceito sexual. Ao demonstrar as particularidades da homofobia individual, social, na cultura e nas instituições, este livro abre novas oportunidades de pesquisa e compreensão das lógicas de hierarquização e inferiorização social. A homofobia tem se revelado como um sistema de humilhação, exclusão e violência que adquire requintes a partir de cada cultura e formas de organização das sociedades locais, já que essa forma de preconceito exige ser pensada a partir da sua interseção com outras formas de inferiorização como o racismo e o classismo, por exemplo. Nesse ponto, Daniel Borrillo é insistente, ao evidenciar que a homofobia se alimenta da mesma lógica que as outras formas de violência e inferiorização: “desumanizar o outro e torná-lo inexoravelmente diferente”. Nesses termos, o livro que ora o leitor tem em mãos apresenta um debate afinado de como o acirramento das diferenças, muitas vezes, ocupa disfarçadamente a lógica de exclusão social.
Na sociedade brasileira ainda temos pouco conhecimento sobre a homofobia. Sim, sabemos que ela existe tanto através de dados empíricos, de pesquisas quanto pela lógica da experiência. No entanto, estamos em um momento bastante contraditório: sabemos que ela existe, mas sabemos tão pouco sobre como ela funciona e quais as suas dinâmicas ao se articular com outras formas de inferiorização. Compreender o funcionamento da homofobia, sobretudo quando é evidente que o preconceito não só reside nos indivíduos, mas também se articula na cultura e nas instituições, é fundamental para aprimorar as formas de enfrentamento e desconstrução de suas práticas violentas e silenciosas. É ainda no campo do não nomeado e do não pensável que a homofobia, como mecanismo que é produto e produtor das hierarquias sexuais (Rubin, 1984), das violências e das naturalizações das normas de gênero (Butler, 2006), reside e se sustenta. Não nomeado porque sua descrição é de difícil apreensão e não pensável porque não refletida pelos sujeitos e pelas instituições.
Nossa compreensão é a de que o duplo aspecto da norma, discutido por Butler (2006) a partir de Foucault, evidencia o quanto a norma implica diretamente a formação e orientação 10 Homofobia das ações, mas também a normalização violenta que alimenta a construção de coerções sociais com relação às posições sexuadas. Dessa maneira, abriga aí a violência da normalização, a qual cria o terreno do não pensável e do silêncio para a violência homofóbica, já que a esta corresponde certa coerência que se encontra implícita no cotidiano da cumplicidade entre indivíduos e instituições, como bem evidencia Borrillo neste livro. Assim, as praticas homofóbicas se instituem como préreflexivas, e trazer a tona esse mecanismo é urgente na sociedade brasileira.
A prática da violência homofóbica é, então, de difícil diagnóstico nas sociedades atuais, o que neutraliza possibilidades de enfrentamentos. Aí reside outro aspecto importante da  obra de Borrillo, pois através da história e da categorização da homofobia como forma de violência e humilhação com cumplicidade jurídica, científica, cultural e institucional, o autor nos ajuda a dar nomes no terreno do não pensável e do não nomeado. Ou seja, é através do preconceito homofóbico como elemento de conservação cognitiva e social das hierarquias invisibilizadas que se constrói e dinamiza o terreno do impensável. Portanto, se este não se revela como limite da percepção e da cultura, mas sim como uma violência que esconde a violência da não nomeação, elemento fundamental na manutenção das hierarquias sociais pré-reflexivas, necessário se torna o seu enfrentamento através da nomeação e da reflexão de sua dinâmica de funcionamento. Essa tarefa poderá ser encontrada com algumas pistas no trabalho de Borrillo, o qual consegue, ao ir além da conceituação das fobias, descortinar ao leitor os muitos mecanismos da homofobia nas sociedades ocidentais. Dessa forma, o autor nos ajuda a pensar o preconceito como um paradoxo que busca esconder outro paradoxo: a historicidade e a contingência das relações sociais (Prado; Machado, 2008).
Assim, pensar a homofobia exige-nos compreender essas práticas do preconceito não como meramente individuais, mas, sobretudo, como consentimentos das práticas sociais, culturais e econômicas que constituem uma ideologia homofóbica. A homofobia pode ser pensada como um consentimento social praticado por indivíduos, grupos e ideologias que pactuam em algum nível um mundo do sensível que exclui e inclui! Exclui porque o consentimento sempre pressupõe a exclusão de outras sociabilidades. E inclui porque busca, através da política do armário e do preconceito, integrar nas bases do consentimento a subalternização de alguns grupos e indivíduos. Estamos, portanto, diante de um fenômeno pouco explorado no seu funcionamento e bastante complexo, exatamente porque não se localiza num âmbito só, nem indivíduo nem sociedade. Ele se articula em torno de emoções, condutas, normas e dispositivos ideológicos e institucionais, sendo instrumento que cria e reproduz um sistema de diferenças para justificar a exclusão e a dominação de uns sobre os outros (Prado; Arruda; Tolentino, 2009).
Encarar a homofonia, nesta perspectiva, exige muito de todos nós. Um bom começo o leitor terá aqui no trabalho que, apesar de recente, se tornou clássico. Através dele, o leitor terá recursos para nomear formas de preconceito até então residentes no terreno do impensável.

A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais; portanto, homens ou mulheres. Segundo parece, o termo foi utilizado pela primeira vez nos EUA, em 1971; no entanto, ele apareceu nos dicionários de língua francesa somente no final da década de 1990: para Le Nouveau Petit Robert, “homofóbico” é aquele que experimenta aversão pelos homossexuais;1 por sua vez, em Le Petit Larousse, a “homofobia” é a rejeição da homossexualidade, a hostilidade sistemática contra os homossexuais.2 Mesmo que seu componente primordial seja, efetivamente, a rejeição irracional e, até mesmo, o ódio em relação a gays e lésbicas, a homofobia não pode ser reduzida a esse aspecto. Do mesmo modo que a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância, fora do universo comum dos humanos.
Crime abominável, amor vergonhoso, gosto depravado, costume infame, paixão ignominiosa, pecado contra a natureza, vício de Sodoma – outras tantas designações que, durante vários séculos, serviram para qualificar o desejo e as relações sexuais ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Confinado no papel do marginal ou excêntrico, o homossexual é apontado pela

1 Em sua edição de 1993, ele inclui somente o termo “homofóbico”, mas não “homofobia”. “Homo”, elemento de composição, antepositivo, deriva do grego homós, que significa “semelhante”, “igual”; a distinguir de seu homônimo “homo”, nominativo latino de homo, hominis, ou seja, “o homem”, “o gênero humano”, “um homem”. (N.T.). 2 Esses dois termos aparecem, pela primeira vez, na sua edição de 1998.


norma social como bizarro, estranho ou extravagante. E no pressuposto de que o mal vem sempre de fora, na França, a homossexualidade foi qualificada como “vício italiano” ou “vício grego”, ou ainda “costume árabe” ou “colonial”. À semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é sempre o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer identificação.
A recente preocupação com a hostilidade contra gays e as lésbicas modifica a maneira como a questão havia sido problematizada até aqui: em vez de se dedicar ao estudo do comportamento homossexual, tratado no passado como desviante, a atenção fixa-se, daqui em diante, nas razões que levaram a atribuir tal qualificativo a essa forma de sexualidade. De modo que o deslocamento do objeto de análise para a homofobia produz uma mudança tanto epistemológica quanto política: epistemológica porque se trata não tanto de conhecer ou compreender a origem e o funcionamento da homossexualidade, mas de analisar a hostilidade desencadeada por essa forma específica de orientação sexual; e política porque deixa de ser a questão homossexual (afinal de contas, banal do ponto de vista institucional),3 mas precisamente a questão homofóbica que, a partir de agora, merece uma problematização específica.
Independentemente de tratar-se de uma escolha de vida sexual ou de uma questão de característica estrutural do desejo erótico por pessoas do mesmo sexo, a homossexualidade deve ser considerada, de agora em diante, como uma forma de sexualidade tão legítima quanto a heterossexualidade. Na realidade, ela é apenas a simples manifestação do pluralismo sexual, uma variante constante e regular da sexualidade humana. Enquanto atos consentidos entre adultos, os comportamentos homoeróticos são protegidos – pelo menos, na França – como qualquer outra manifestação da vida privada.

3 A banalização institucional implica que os grandes aparelhos do poder normalizador – tais como a religião, o direito, a medicina ou a psicanálise – renunciem a abordar a questão homossexual; deste modo, os gays e as lésbicas têm a possibilidade de criar, individualmente, sua própria identidade e de negociar suas contribuições a uma cultura específica.


Por ser um atributo da personalidade, a homossexualidade deveria manter-se fora de qualquer intervenção institucional; do mesmo modo que a cor da pele, a filiação religiosa ou a origem étnica, ela deve ser considerada um dado não pertinente na construção política do cidadão e na qualificação do sujeito de direitos. Ora, de fato, se o exercício de uma prerrogativa ou a fruição de um direito deixaram de estar subordinados à filiação real ou suposta, a uma raça, a um ou ao outro sexo, a uma religião, a uma opinião pública ou a uma classe social, em compensação, a homossexualidade permanece um obstáculo à plena realização dos direitos. No âmago desse tratamento discriminatório, a homofobia desempenha um papel importante na medida em que ela é uma forma de inferiorização, consequência direta da hierarquização das sexualidades, além de conferir um status superior à heterossexualidade, situando- a no plano do natural, do que é evidente. Enquanto a heterossexualidade é definida pelos dicionários (Le Grand Robert, 1992; Le Petit Robert, 1996) como a “sexualidade (considerada como normal) do heterossexual” e este como aquele “que experimenta uma atração sexual (considerada como normal) pelos indivíduos do sexo oposto”, por sua vez, a homossexualidade está desprovida de tal normalidade.
Nos dicionários de sinônimos, nem há registro da palavra “heterossexualidade”; em compensação, termos tais como androgamia, androfilia, homofilia, inversão, pederastia, pedofilia, socratismo, uranismo, androfobia, lesbianismo, safismo e tribadismo são propostos como equivalentes ao de “homossexualidade”. E se Le Petit Robert considera que um heterossexual é simplesmente o oposto de um homossexual, este é designado por uma profusão de vocábulos4: gay, homófilo, pederasta, veado, salsinha, michê, boiola, bicha louca, tia, sandalinha, invertido, sodomita, travesti, lésbica, maria homem, homaça, hermafrodita, baitola, gilete, sapatão, bissexual. Essa

 4 Vocábulos citados no original: gay, homophile, pédéraste, enculé, folle, homo, lope, lopette, pédale, pédé, tante, tapette, inverti, sodomite, travesti, travelo, lesbienne, gomorrhéenne, tribade, gouine, bi, à voile et à vapeur. (N.T.).


desproporção no plano da linguagem revela uma operação ideológica que consiste em nomear, superabundantemente, aquilo que aparece como problemático e deixar implícito o que, supostamente, é evidente e natural. A diferença homo/hétero não é só constatada, mas serve, sobretudo, para ordenar um regime das sexualidades em que os comportamentos heterossexuais são os únicos que merecem a qualificação de modelo social e de referência para qualquer outra sexualidade. Assim, nessa ordem sexual, o sexo biológico (macho/fêmea) determina um desejo sexual unívoco (hétero), assim como um comportamento social específico (masculino/feminino). Sexismo e homofonia aparecem, portanto, como componentes necessários do regime binário das sexualidades. A divisão dos gêneros e o desejo (hétero) sexual funcionam, de preferência, como um dispositivo de reprodução da ordem social, e não como um dispositivo de reprodução biológica da espécie. A homofobia torna-se, assim,a guardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto de gênero (masculino/feminino). Eis por que os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles que não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade...
A homofobia é um fenômeno complexo e variado que pode ser percebido nas piadas vulgares que ridicularizam o indivíduo efeminado, mas ela pode também assumir formas mais brutais, chegando até a vontade de extermínio, como foi o caso na Alemanha Nazista. À semelhança de qualquer forma de exclusão, a homofobia não se limita a constatar uma diferença: ela a interpreta e tira suas conclusões materiais. Assim, se o homossexual é culpado do pecado, sua condenação moral aparece como necessária; portanto, a consequência lógica vai exigir sua “purificação pelo fogo inquisitorial”. Se ele é aparentado ao criminoso, então, seu lugar natural é, na melhor das hipóteses, o ostracismo e, na pior, a pena capital, como ainda ocorre em alguns países. Considerado doente, ele é objeto da atenção dos médicos e deve submeter-se às terapias que lhe são impostas pela ciência, em particular, os eletrochoques utilizados no Ocidente até a década de 1960.
Se algumas formas mais sutis de homofobia exibem certa tolerância em relação a lésbicas e gays, essa atitude ocorre mediante a condição de atribuir-lhes uma posição marginal e silenciosa, ou seja, a de uma sexualidade considerada como inacabada ou secundária. Aceita na esfera íntima da vida privada, a homossexualidade torna-se insuportável ao reivindicar, publicamente, sua equivalência à heterossexualidade. A homofobia é o medo de que a valorização dessa identidade seja reconhecida; ela se manifesta, entre outros aspectos, pela angústia de ver desaparecer a fronteira e a hierarquia da ordem heterossexual. Ela se exprime, na vida cotidiana, por injúrias e por insultos, mas aparece também nos textos de professores e de especialistas ou no decorrer de debates públicos.
A homofobia é algo familiar e, ainda, consensual, sendo percebida como um fenômeno banal: quantos pais ficam inquietos ao descobrir a homofobia de um(a) filho(a) adolescente, ao passo que, simultaneamente, a homossexualidade de um(a) filho(a) continua sendo fonte de sofrimento para as famílias, levando-as, quase sempre, a consultar um psicanalista? Invisível, cotidiana, compartilhada, a homofobia participa do senso comum, embora venha a culminar, igualmente, em uma verdadeira alienação dos heterossexuais. Por essas razões é que se torna indispensável questioná-la no que diz respeito tanto às atitudes e aos comportamentos quanto a suas construções ideológicas. O que é a homofobia? Quais são suas relações com as outras formas de estigmatização? Quais são suas origens? De que modo e a partir de quais discursos foram construídas a supremacia heterossexual e a desvalorização correlata da homossexualidade? Como definir a personalidade homofóbica? Quais são os recursos à nossa disposição para lutar contra essa forma de violência? No decorrer dos quatro capítulos deste livro, vamos tentar responder a essas questões, e nossa conclusão é apresentada sob a forma de proposição de ação.
Começaremos nosso estudo pela análise das definições possíveis e dos problemas terminológicos encontrados quando se trata de circunscrever o fenômeno homofóbico. Além disso, para compreender melhor o alcance da questão e de suas principais implicações, vamos colocá-la sob a perspectiva de outras formas de exclusão, tais como o racismo, o antissemitismo, o sexismo ou a xenofobia. Em um segundo momento, vamos dedicar-nos ao estudo das origens do ódio homofóbico. A relativa tolerância que o mundo pagão havia reservado às relações homossexuais contrasta, consideravelmente, com a hostilidade do cristianismo triunfante.
A condenação da sodomia na tradição judaico-cristã – pedra angular do sistema repressivo – aparece como o elemento precursor fundamental das diferentes formas de homofobia. Analisaremos, em seguida, a ideologia heterossexista veiculada pelas principais doutrinas que substituem a noção de “vício sodomítico” pela noção de “perversão sexual” e que, daí em diante, consideram a homossexualidade como um “acidente na evolução afetiva”, uma “regressão da cultura amorosa”, uma “simples escolha de vida privada”, um “vício burguês” ou um “perigo para a raça”. Já não será em nome da ordem natural, nem em nome da religião que gays e lésbicas serão objeto das perseguições, mas em nome da psiquiatria, da antropologia, da consciência de classe e/ou da higiene do 3º Reich, que, ao substituir a teologia, hão de reatualizar, com eficácia, o ódio homofóbico. A dupla dimensão da questão, rejeição irracional (afetiva), por um lado, e, por outro, construção ideológica (cognitiva), obriga-nos a considerá-la no plano individual e no social. Assim, as predisposições psicológicas da personalidade homofóbica e os elementos do meio circundante heterossexista serão objeto da quarta parte deste livro. Por último, a guisa de conclusão, vamos nos interessar pelas estratégias institucionais, preventivas e/ou repressoras, suscetíveis de lutar contra essa forma específica de hostilidade e de exclusão.