Homofobia
Muitos
fenômenos sob o mesmo nome
Prof.
Dr. Marco Aurélio Máximo Prado*
A
homofobia como termo para designar uma forma de preconceito e aversão às
homossexualidades em geral tem se lançado na sociedade brasileira com alguma
força política, conceitual e analítica nos últimos anos. Ainda que, do ponto de
vista histórico e analítico, não revele mais a complexidade das formas de hierarquização
sexual, violência e preconceito social, é um conceito que hoje carrega um
sem-número de sentidos e fenômenos que ultrapassam a sua descrição conceitual
primeira.
O conceito tem sido utilizado para fazer
referência a um conjunto de emoções negativas (aversão, desprezo, ódio ou medo)
em relação às homossexualidades. No entanto, entendê-lo assim implica limitar a
compreensão do fenômeno e pensar o seu enfrentamento somente a partir de
medidas voltadas a minimizar os efeitos de sentimentos e atitudes de “indivíduos”
ou de “grupos homofóbicos”, deixando de lado as instituições sociais que nada
teriam a ver com isso. Desde que foi cunhado, em 1972, em referência ao “medo expresso
por heterossexuais de estarem em presença de homossexuais”, o conceito passou por
vários questionamentos e ressignificações (Junqueira, 2007). No entanto, o
termo,
*
Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
transexuais, travestis e transgêneros) da Universidade Federal de Minas Gerais.
Bolsista do CNPq e da Fapemig. Professor do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
a
partir de meados dos anos 1970, ganhou notoriedade e conheceu considerável
êxito, especialmente nos países do Norte, e foi adquirindo novos contornos
semânticos e políticos. Além de ser empregado em referência a um conjunto de
atitudes negativas em relação a homossexuais, o termo, pouco a pouco, passou a
ser usado também em alusão a situações de preconceito, discriminação e
violência contra pessoas LGBT. Passou-se da esfera estritamente individual e
psicológica para uma dimensão mais social e potencialmente mais politizadora. Mais
recentemente, verifica-se a circulação de uma compreensão da homofobia como
dispositivo de vigilância das fronteiras de gênero que atinge todas as pessoas,
independentemente da orientação sexual, ainda que em distintos graus e
modalidades.
Este livro, oportunamente traduzido
para o português, acompanha o movimento de atualização do preconceito sexual na
sociedade contemporânea. Para além da origem psíquica das fobias, Daniel
Borrillo não só traz para o debate as origens históricas da homofobia, mas
também enfatiza a intensa relação entre a homofobia individual e as formas de
homofobia institucional, jurídica e social. Nesse ponto, cabe-nos ressaltar um
dos aspectos que merecem ser sublinhados neste livro: a sua atualidade, marcada
por uma compreensão da complexa relação entre as instituições, a cultura, as
leis e os indivíduos quando se trata de compreender a homofobia muito além de
qualquer sentimento de aversão individual de cunho psicológico. Aí, sem dúvida,
podemos perceber a importância de uma abordagem para o fenômeno da homofobia ao
considerar também que as instituições revelam-se espaços de produção, reprodução
e atualização de todo um conjunto de disposições (discursos, valores, práticas,
etc.) por meio das quais a heterossexualidade é instituída e vivenciada como
única possibilidade legítima de expressão sexual e de gênero (Warner, 1993).
No Brasil, o livro de Daniel Borrillo
vem sendo bastante utilizado, mesmo sem uma tradução para o português até o momento,
e ganhou importante espaço em debates entre grupos de pesquisa e ativistas,
exatamente pela sua atualidade ao evidenciar as relações entre indivíduos e
sociedade numa cumplicidade silenciosa e perversa sobre as formas de
inferiorização e preconceito sexual. Ao demonstrar as particularidades da homofobia
individual, social, na cultura e nas instituições, este livro abre novas
oportunidades de pesquisa e compreensão das lógicas de hierarquização e
inferiorização social. A homofobia tem se revelado como um sistema de
humilhação, exclusão e violência que adquire requintes a partir de cada cultura
e formas de organização das sociedades locais, já que essa forma de preconceito
exige ser pensada a partir da sua interseção com outras formas de
inferiorização como o racismo e o classismo, por exemplo. Nesse ponto, Daniel
Borrillo é insistente, ao evidenciar que a homofobia se alimenta da mesma lógica
que as outras formas de violência e inferiorização: “desumanizar o outro e
torná-lo inexoravelmente diferente”. Nesses termos, o livro que ora o leitor
tem em mãos apresenta um debate afinado de como o acirramento das diferenças,
muitas vezes, ocupa disfarçadamente a lógica de exclusão social.
Na sociedade brasileira ainda temos
pouco conhecimento sobre a homofobia. Sim, sabemos que ela existe tanto através
de dados empíricos, de pesquisas quanto pela lógica da experiência. No entanto,
estamos em um momento bastante contraditório: sabemos que ela existe, mas
sabemos tão pouco sobre como ela funciona e quais as suas dinâmicas ao se
articular com outras formas de inferiorização. Compreender o funcionamento da
homofobia, sobretudo quando é evidente que o preconceito não só reside nos
indivíduos, mas também se articula na cultura e nas instituições, é fundamental
para aprimorar as formas de enfrentamento e desconstrução de suas práticas
violentas e silenciosas. É ainda no campo do não nomeado e do não pensável que a
homofobia, como mecanismo que é produto e produtor das hierarquias sexuais
(Rubin, 1984), das violências e das naturalizações das normas de gênero
(Butler, 2006), reside e se sustenta. Não nomeado porque sua descrição é de
difícil apreensão e não pensável porque não refletida pelos sujeitos e pelas
instituições.
Nossa compreensão é a de que o duplo
aspecto da norma, discutido por Butler (2006) a partir de Foucault, evidencia o
quanto a norma implica diretamente a formação e orientação 10 Homofobia das
ações, mas também a normalização violenta que alimenta a construção de coerções
sociais com relação às posições sexuadas. Dessa maneira, abriga aí a violência
da normalização, a qual cria o terreno do não pensável e do silêncio para a
violência homofóbica, já que a esta corresponde certa coerência que se encontra
implícita no cotidiano da cumplicidade entre indivíduos e instituições, como
bem evidencia Borrillo neste livro. Assim, as praticas homofóbicas se instituem
como préreflexivas, e trazer a tona esse mecanismo é urgente na sociedade brasileira.
A prática da violência homofóbica é,
então, de difícil diagnóstico nas sociedades atuais, o que neutraliza
possibilidades de enfrentamentos. Aí reside outro aspecto importante da obra de Borrillo, pois através da história e
da categorização da homofobia como forma de violência e humilhação com cumplicidade
jurídica, científica, cultural e institucional, o autor nos ajuda a dar nomes
no terreno do não pensável e do não nomeado. Ou seja, é através do preconceito
homofóbico como elemento de conservação cognitiva e social das hierarquias
invisibilizadas que se constrói e dinamiza o terreno do impensável. Portanto,
se este não se revela como limite da percepção e da cultura, mas sim como uma
violência que esconde a violência da não nomeação, elemento fundamental na
manutenção das hierarquias sociais pré-reflexivas, necessário se torna o seu
enfrentamento através da nomeação e da reflexão de sua dinâmica de
funcionamento. Essa tarefa poderá ser encontrada com algumas pistas no trabalho
de Borrillo, o qual consegue, ao ir além da conceituação das fobias,
descortinar ao leitor os muitos mecanismos da homofobia nas sociedades ocidentais.
Dessa forma, o autor nos ajuda a pensar o preconceito como um paradoxo que busca
esconder outro paradoxo: a historicidade e a contingência das relações sociais
(Prado; Machado, 2008).
Assim, pensar a homofobia exige-nos
compreender essas práticas do preconceito não como meramente individuais, mas, sobretudo,
como consentimentos das práticas sociais, culturais e econômicas que constituem
uma ideologia homofóbica. A homofobia pode ser pensada como um consentimento
social praticado por indivíduos, grupos e ideologias que pactuam em algum nível
um mundo do sensível que exclui e inclui! Exclui porque o consentimento sempre
pressupõe a exclusão de outras sociabilidades. E inclui porque busca, através
da política do armário e do preconceito, integrar nas bases do consentimento a
subalternização de alguns grupos e indivíduos. Estamos, portanto, diante de um
fenômeno pouco explorado no seu funcionamento e bastante complexo, exatamente porque
não se localiza num âmbito só, nem indivíduo nem sociedade. Ele se articula em
torno de emoções, condutas, normas e dispositivos ideológicos e institucionais,
sendo instrumento que cria e reproduz um sistema de diferenças para justificar
a exclusão e a dominação de uns sobre os outros (Prado; Arruda; Tolentino,
2009).
Encarar
a homofonia, nesta perspectiva, exige muito de todos nós. Um bom começo o
leitor terá aqui no trabalho que, apesar de recente, se tornou clássico.
Através dele, o leitor terá recursos para nomear formas de preconceito até
então residentes no terreno do impensável.
A homofobia é a atitude de hostilidade
contra as/os homossexuais; portanto, homens ou mulheres. Segundo parece, o
termo foi utilizado pela primeira vez nos EUA, em 1971; no entanto, ele
apareceu nos dicionários de língua francesa somente no final da década de 1990:
para Le Nouveau Petit Robert, “homofóbico” é aquele que experimenta aversão
pelos homossexuais;1 por sua vez, em Le Petit Larousse, a “homofobia” é a
rejeição da homossexualidade, a hostilidade sistemática contra os
homossexuais.2 Mesmo que seu componente primordial seja, efetivamente, a
rejeição irracional e, até mesmo, o ódio em relação a gays e lésbicas, a
homofobia não pode ser reduzida a esse aspecto. Do mesmo modo que a xenofobia,
o racismo ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste
em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença
irredutível, ele é posicionado a distância, fora do universo comum dos humanos.
Crime abominável, amor vergonhoso, gosto
depravado, costume infame, paixão ignominiosa, pecado contra a natureza, vício
de Sodoma – outras tantas designações que, durante vários séculos, serviram
para qualificar o desejo e as relações sexuais ou afetivas entre pessoas do
mesmo sexo. Confinado no papel do marginal ou excêntrico, o homossexual é
apontado pela
1
Em sua edição de 1993, ele inclui somente o termo “homofóbico”, mas não “homofobia”.
“Homo”, elemento de composição, antepositivo, deriva do grego homós, que
significa “semelhante”, “igual”; a distinguir de seu homônimo “homo”,
nominativo latino de homo, hominis, ou seja, “o homem”, “o gênero humano”, “um
homem”. (N.T.). 2 Esses dois termos aparecem, pela primeira vez, na sua edição
de 1998.
norma
social como bizarro, estranho ou extravagante. E no pressuposto de que o mal
vem sempre de fora, na França, a homossexualidade foi qualificada como “vício
italiano” ou “vício grego”, ou ainda “costume árabe” ou “colonial”. À
semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é
sempre o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer
identificação.
A recente preocupação com a hostilidade
contra gays e as lésbicas modifica a maneira como a questão havia sido problematizada
até aqui: em vez de se dedicar ao estudo do comportamento homossexual, tratado
no passado como desviante, a atenção fixa-se, daqui em diante, nas razões que
levaram a atribuir tal qualificativo a essa forma de sexualidade. De modo que o
deslocamento do objeto de análise para a homofobia produz uma mudança tanto
epistemológica quanto política: epistemológica porque se trata não tanto de
conhecer ou compreender a origem e o funcionamento da homossexualidade, mas de
analisar a hostilidade desencadeada por essa forma específica de orientação
sexual; e política porque deixa de ser a questão homossexual (afinal de contas,
banal do ponto de vista institucional),3 mas precisamente a questão homofóbica
que, a partir de agora, merece uma problematização específica.
Independentemente de tratar-se de uma
escolha de vida sexual ou de uma questão de característica estrutural do desejo
erótico por pessoas do mesmo sexo, a homossexualidade deve ser considerada, de
agora em diante, como uma forma de sexualidade tão legítima quanto a
heterossexualidade. Na realidade, ela é apenas a simples manifestação do
pluralismo sexual, uma variante constante e regular da sexualidade humana.
Enquanto atos consentidos entre adultos, os comportamentos homoeróticos são
protegidos – pelo menos, na França – como qualquer outra manifestação da vida
privada.
3
A banalização institucional implica que os grandes aparelhos do poder
normalizador – tais como a religião, o direito, a medicina ou a psicanálise –
renunciem a abordar a questão homossexual; deste modo, os gays e as lésbicas
têm a possibilidade de criar, individualmente, sua própria identidade e de
negociar suas contribuições a uma cultura específica.
Por ser um atributo da personalidade, a
homossexualidade deveria manter-se fora de qualquer intervenção institucional; do
mesmo modo que a cor da pele, a filiação religiosa ou a origem étnica, ela deve
ser considerada um dado não pertinente na construção política do cidadão e na
qualificação do sujeito de direitos. Ora, de fato, se o exercício de uma
prerrogativa ou a fruição de um direito deixaram de estar subordinados à
filiação real ou suposta, a uma raça, a um ou ao outro sexo, a uma religião, a
uma opinião pública ou a uma classe social, em compensação, a homossexualidade
permanece um obstáculo à plena realização dos direitos. No âmago desse
tratamento discriminatório, a homofobia desempenha um papel importante na
medida em que ela é uma forma de inferiorização, consequência direta da
hierarquização das sexualidades, além de conferir um status superior à
heterossexualidade, situando- a no plano do natural, do que é evidente. Enquanto
a heterossexualidade é definida pelos dicionários (Le Grand Robert, 1992; Le
Petit Robert, 1996) como a “sexualidade (considerada como normal) do
heterossexual” e este como aquele “que experimenta uma atração sexual
(considerada como normal) pelos indivíduos do sexo oposto”, por sua vez, a
homossexualidade está desprovida de tal normalidade.
Nos dicionários de sinônimos, nem há
registro da palavra “heterossexualidade”; em compensação, termos tais como
androgamia, androfilia, homofilia, inversão, pederastia, pedofilia, socratismo,
uranismo, androfobia, lesbianismo, safismo e tribadismo são propostos como
equivalentes ao de “homossexualidade”. E se Le Petit Robert considera que um
heterossexual é simplesmente o oposto de um homossexual, este é designado por
uma profusão de vocábulos4: gay, homófilo, pederasta, veado, salsinha, michê,
boiola, bicha louca, tia, sandalinha, invertido, sodomita, travesti, lésbica,
maria homem, homaça, hermafrodita, baitola, gilete, sapatão, bissexual. Essa
4 Vocábulos citados no original:
gay, homophile, pédéraste, enculé, folle, homo, lope, lopette, pédale, pédé,
tante, tapette, inverti, sodomite, travesti, travelo, lesbienne, gomorrhéenne,
tribade, gouine, bi, à voile et à vapeur. (N.T.).
desproporção
no plano da linguagem revela uma operação ideológica que consiste em nomear,
superabundantemente, aquilo que aparece como problemático e deixar implícito o que,
supostamente, é evidente e natural. A diferença homo/hétero não é só
constatada, mas serve, sobretudo, para ordenar um regime das sexualidades em
que os comportamentos heterossexuais são os únicos que merecem a qualificação
de modelo social e de referência para qualquer outra sexualidade. Assim, nessa
ordem sexual, o sexo biológico (macho/fêmea) determina um desejo sexual unívoco
(hétero), assim como um comportamento social específico (masculino/feminino).
Sexismo e homofonia aparecem, portanto, como componentes necessários do regime
binário das sexualidades. A divisão dos gêneros e o desejo (hétero) sexual
funcionam, de preferência, como um dispositivo de reprodução da ordem social, e
não como um dispositivo de reprodução biológica da espécie. A homofobia
torna-se, assim,a guardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto de
gênero (masculino/feminino). Eis por que os homossexuais deixaram de ser as
únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos
aqueles que não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais,
mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais
delicados ou que manifestam grande sensibilidade...
A homofobia é um fenômeno complexo e
variado que pode ser percebido nas piadas vulgares que ridicularizam o indivíduo
efeminado, mas ela pode também assumir formas mais brutais, chegando até a vontade
de extermínio, como foi o caso na Alemanha Nazista. À semelhança de qualquer
forma de exclusão, a homofobia não se limita a constatar uma diferença: ela a
interpreta e tira suas conclusões materiais. Assim, se o homossexual é culpado
do pecado, sua condenação moral aparece como necessária; portanto, a
consequência lógica vai exigir sua “purificação pelo fogo inquisitorial”. Se ele
é aparentado ao criminoso, então, seu lugar natural é, na melhor das hipóteses,
o ostracismo e, na pior, a pena capital, como ainda ocorre em alguns países.
Considerado doente, ele é objeto da atenção dos médicos e deve submeter-se às terapias
que lhe são impostas pela ciência, em particular, os eletrochoques utilizados
no Ocidente até a década de 1960.
Se algumas formas mais sutis de
homofobia exibem certa tolerância em relação a lésbicas e gays, essa atitude
ocorre mediante a condição de atribuir-lhes uma posição marginal e silenciosa,
ou seja, a de uma sexualidade considerada como inacabada ou secundária. Aceita
na esfera íntima da vida privada, a homossexualidade torna-se insuportável ao
reivindicar, publicamente, sua equivalência à heterossexualidade. A homofobia é
o medo de que a valorização dessa identidade seja reconhecida; ela se
manifesta, entre outros aspectos, pela angústia de ver desaparecer a fronteira
e a hierarquia da ordem heterossexual. Ela se exprime, na vida cotidiana, por
injúrias e por insultos, mas aparece também nos textos de professores e de
especialistas ou no decorrer de debates públicos.
A homofobia é algo familiar e, ainda, consensual,
sendo percebida como um fenômeno banal: quantos pais ficam inquietos ao
descobrir a homofobia de um(a) filho(a) adolescente, ao passo que,
simultaneamente, a homossexualidade de um(a) filho(a) continua sendo fonte de
sofrimento para as famílias, levando-as, quase sempre, a consultar um
psicanalista? Invisível, cotidiana, compartilhada, a homofobia participa do
senso comum, embora venha a culminar, igualmente, em uma verdadeira alienação
dos heterossexuais. Por essas razões é que se torna indispensável questioná-la
no que diz respeito tanto às atitudes e aos comportamentos quanto a suas construções
ideológicas. O que é a homofobia? Quais são suas relações com as outras formas
de estigmatização? Quais são suas origens? De que modo e a partir de quais
discursos foram construídas a supremacia heterossexual e a desvalorização correlata
da homossexualidade? Como definir a personalidade homofóbica? Quais são os
recursos à nossa disposição para lutar contra essa forma de violência? No
decorrer dos quatro capítulos deste livro, vamos tentar responder a essas questões,
e nossa conclusão é apresentada sob a forma de proposição de ação.
Começaremos nosso estudo pela análise
das definições possíveis e dos problemas terminológicos encontrados quando se
trata de circunscrever o fenômeno homofóbico. Além disso, para compreender
melhor o alcance da questão e de suas principais implicações, vamos colocá-la
sob a perspectiva de outras formas de exclusão, tais como o racismo, o
antissemitismo, o sexismo ou a xenofobia. Em um segundo momento, vamos
dedicar-nos ao estudo das origens do ódio homofóbico. A relativa tolerância que
o mundo pagão havia reservado às relações homossexuais contrasta,
consideravelmente, com a hostilidade do cristianismo triunfante.
A condenação da sodomia na tradição
judaico-cristã – pedra angular do sistema repressivo – aparece como o elemento
precursor fundamental das diferentes formas de homofobia. Analisaremos, em
seguida, a ideologia heterossexista veiculada pelas principais doutrinas que
substituem a noção de “vício sodomítico” pela noção de “perversão sexual” e
que, daí em diante, consideram a homossexualidade como um “acidente na evolução
afetiva”, uma “regressão da cultura amorosa”, uma “simples escolha de vida
privada”, um “vício burguês” ou um “perigo para a raça”. Já não será em nome da
ordem natural, nem em nome da religião que gays e lésbicas serão objeto das
perseguições, mas em nome da psiquiatria, da antropologia, da consciência de
classe e/ou da higiene do 3º Reich, que, ao substituir a teologia, hão de
reatualizar, com eficácia, o ódio homofóbico. A dupla dimensão da questão,
rejeição irracional (afetiva), por um lado, e, por outro, construção ideológica
(cognitiva), obriga-nos a considerá-la no plano individual e no social. Assim,
as predisposições psicológicas da personalidade homofóbica e os elementos do
meio circundante heterossexista serão objeto da quarta parte deste livro. Por
último, a guisa de conclusão, vamos nos interessar pelas estratégias
institucionais, preventivas e/ou repressoras, suscetíveis de lutar contra essa
forma específica de hostilidade e de exclusão.
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