Leve Além...

domingo, 16 de outubro de 2011

Grupo com tema homofobia: Texto para o grupo de Homofobia




Homofobia

Muitos fenômenos sob o mesmo nome

Prof. Dr. Marco Aurélio Máximo Prado*

            A homofobia como termo para designar uma forma de preconceito e aversão às homossexualidades em geral tem se lançado na sociedade brasileira com alguma força política, conceitual e analítica nos últimos anos. Ainda que, do ponto de vista histórico e analítico, não revele mais a complexidade das formas de hierarquização sexual, violência e preconceito social, é um conceito que hoje carrega um sem-número de sentidos e fenômenos que ultrapassam a sua descrição conceitual primeira.
O conceito tem sido utilizado para fazer referência a um conjunto de emoções negativas (aversão, desprezo, ódio ou medo) em relação às homossexualidades. No entanto, entendê-lo assim implica limitar a compreensão do fenômeno e pensar o seu enfrentamento somente a partir de medidas voltadas a minimizar os efeitos de sentimentos e atitudes de “indivíduos” ou de “grupos homofóbicos”, deixando de lado as instituições sociais que nada teriam a ver com isso. Desde que foi cunhado, em 1972, em referência ao “medo expresso por heterossexuais de estarem em presença de homossexuais”, o conceito passou por vários questionamentos e ressignificações (Junqueira, 2007). No entanto, o termo,

* Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros) da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista do CNPq e da Fapemig. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.

a partir de meados dos anos 1970, ganhou notoriedade e conheceu considerável êxito, especialmente nos países do Norte, e foi adquirindo novos contornos semânticos e políticos. Além de ser empregado em referência a um conjunto de atitudes negativas em relação a homossexuais, o termo, pouco a pouco, passou a ser usado também em alusão a situações de preconceito, discriminação e violência contra pessoas LGBT. Passou-se da esfera estritamente individual e psicológica para uma dimensão mais social e potencialmente mais politizadora. Mais recentemente, verifica-se a circulação de uma compreensão da homofobia como dispositivo de vigilância das fronteiras de gênero que atinge todas as pessoas, independentemente da orientação sexual, ainda que em distintos graus e modalidades.
            Este livro, oportunamente traduzido para o português, acompanha o movimento de atualização do preconceito sexual na sociedade contemporânea. Para além da origem psíquica das fobias, Daniel Borrillo não só traz para o debate as origens históricas da homofobia, mas também enfatiza a intensa relação entre a homofobia individual e as formas de homofobia institucional, jurídica e social. Nesse ponto, cabe-nos ressaltar um dos aspectos que merecem ser sublinhados neste livro: a sua atualidade, marcada por uma compreensão da complexa relação entre as instituições, a cultura, as leis e os indivíduos quando se trata de compreender a homofobia muito além de qualquer sentimento de aversão individual de cunho psicológico. Aí, sem dúvida, podemos perceber a importância de uma abordagem para o fenômeno da homofobia ao considerar também que as instituições revelam-se espaços de produção, reprodução e atualização de todo um conjunto de disposições (discursos, valores, práticas, etc.) por meio das quais a heterossexualidade é instituída e vivenciada como única possibilidade legítima de expressão sexual e de gênero (Warner, 1993).
No Brasil, o livro de Daniel Borrillo vem sendo bastante utilizado, mesmo sem uma tradução para o português até o momento, e ganhou importante espaço em debates entre grupos de pesquisa e ativistas, exatamente pela sua atualidade ao evidenciar as relações entre indivíduos e sociedade numa cumplicidade silenciosa e perversa sobre as formas de inferiorização e preconceito sexual. Ao demonstrar as particularidades da homofobia individual, social, na cultura e nas instituições, este livro abre novas oportunidades de pesquisa e compreensão das lógicas de hierarquização e inferiorização social. A homofobia tem se revelado como um sistema de humilhação, exclusão e violência que adquire requintes a partir de cada cultura e formas de organização das sociedades locais, já que essa forma de preconceito exige ser pensada a partir da sua interseção com outras formas de inferiorização como o racismo e o classismo, por exemplo. Nesse ponto, Daniel Borrillo é insistente, ao evidenciar que a homofobia se alimenta da mesma lógica que as outras formas de violência e inferiorização: “desumanizar o outro e torná-lo inexoravelmente diferente”. Nesses termos, o livro que ora o leitor tem em mãos apresenta um debate afinado de como o acirramento das diferenças, muitas vezes, ocupa disfarçadamente a lógica de exclusão social.
Na sociedade brasileira ainda temos pouco conhecimento sobre a homofobia. Sim, sabemos que ela existe tanto através de dados empíricos, de pesquisas quanto pela lógica da experiência. No entanto, estamos em um momento bastante contraditório: sabemos que ela existe, mas sabemos tão pouco sobre como ela funciona e quais as suas dinâmicas ao se articular com outras formas de inferiorização. Compreender o funcionamento da homofobia, sobretudo quando é evidente que o preconceito não só reside nos indivíduos, mas também se articula na cultura e nas instituições, é fundamental para aprimorar as formas de enfrentamento e desconstrução de suas práticas violentas e silenciosas. É ainda no campo do não nomeado e do não pensável que a homofobia, como mecanismo que é produto e produtor das hierarquias sexuais (Rubin, 1984), das violências e das naturalizações das normas de gênero (Butler, 2006), reside e se sustenta. Não nomeado porque sua descrição é de difícil apreensão e não pensável porque não refletida pelos sujeitos e pelas instituições.
Nossa compreensão é a de que o duplo aspecto da norma, discutido por Butler (2006) a partir de Foucault, evidencia o quanto a norma implica diretamente a formação e orientação 10 Homofobia das ações, mas também a normalização violenta que alimenta a construção de coerções sociais com relação às posições sexuadas. Dessa maneira, abriga aí a violência da normalização, a qual cria o terreno do não pensável e do silêncio para a violência homofóbica, já que a esta corresponde certa coerência que se encontra implícita no cotidiano da cumplicidade entre indivíduos e instituições, como bem evidencia Borrillo neste livro. Assim, as praticas homofóbicas se instituem como préreflexivas, e trazer a tona esse mecanismo é urgente na sociedade brasileira.
A prática da violência homofóbica é, então, de difícil diagnóstico nas sociedades atuais, o que neutraliza possibilidades de enfrentamentos. Aí reside outro aspecto importante da  obra de Borrillo, pois através da história e da categorização da homofobia como forma de violência e humilhação com cumplicidade jurídica, científica, cultural e institucional, o autor nos ajuda a dar nomes no terreno do não pensável e do não nomeado. Ou seja, é através do preconceito homofóbico como elemento de conservação cognitiva e social das hierarquias invisibilizadas que se constrói e dinamiza o terreno do impensável. Portanto, se este não se revela como limite da percepção e da cultura, mas sim como uma violência que esconde a violência da não nomeação, elemento fundamental na manutenção das hierarquias sociais pré-reflexivas, necessário se torna o seu enfrentamento através da nomeação e da reflexão de sua dinâmica de funcionamento. Essa tarefa poderá ser encontrada com algumas pistas no trabalho de Borrillo, o qual consegue, ao ir além da conceituação das fobias, descortinar ao leitor os muitos mecanismos da homofobia nas sociedades ocidentais. Dessa forma, o autor nos ajuda a pensar o preconceito como um paradoxo que busca esconder outro paradoxo: a historicidade e a contingência das relações sociais (Prado; Machado, 2008).
Assim, pensar a homofobia exige-nos compreender essas práticas do preconceito não como meramente individuais, mas, sobretudo, como consentimentos das práticas sociais, culturais e econômicas que constituem uma ideologia homofóbica. A homofobia pode ser pensada como um consentimento social praticado por indivíduos, grupos e ideologias que pactuam em algum nível um mundo do sensível que exclui e inclui! Exclui porque o consentimento sempre pressupõe a exclusão de outras sociabilidades. E inclui porque busca, através da política do armário e do preconceito, integrar nas bases do consentimento a subalternização de alguns grupos e indivíduos. Estamos, portanto, diante de um fenômeno pouco explorado no seu funcionamento e bastante complexo, exatamente porque não se localiza num âmbito só, nem indivíduo nem sociedade. Ele se articula em torno de emoções, condutas, normas e dispositivos ideológicos e institucionais, sendo instrumento que cria e reproduz um sistema de diferenças para justificar a exclusão e a dominação de uns sobre os outros (Prado; Arruda; Tolentino, 2009).
Encarar a homofonia, nesta perspectiva, exige muito de todos nós. Um bom começo o leitor terá aqui no trabalho que, apesar de recente, se tornou clássico. Através dele, o leitor terá recursos para nomear formas de preconceito até então residentes no terreno do impensável.

A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais; portanto, homens ou mulheres. Segundo parece, o termo foi utilizado pela primeira vez nos EUA, em 1971; no entanto, ele apareceu nos dicionários de língua francesa somente no final da década de 1990: para Le Nouveau Petit Robert, “homofóbico” é aquele que experimenta aversão pelos homossexuais;1 por sua vez, em Le Petit Larousse, a “homofobia” é a rejeição da homossexualidade, a hostilidade sistemática contra os homossexuais.2 Mesmo que seu componente primordial seja, efetivamente, a rejeição irracional e, até mesmo, o ódio em relação a gays e lésbicas, a homofobia não pode ser reduzida a esse aspecto. Do mesmo modo que a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância, fora do universo comum dos humanos.
Crime abominável, amor vergonhoso, gosto depravado, costume infame, paixão ignominiosa, pecado contra a natureza, vício de Sodoma – outras tantas designações que, durante vários séculos, serviram para qualificar o desejo e as relações sexuais ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Confinado no papel do marginal ou excêntrico, o homossexual é apontado pela

1 Em sua edição de 1993, ele inclui somente o termo “homofóbico”, mas não “homofobia”. “Homo”, elemento de composição, antepositivo, deriva do grego homós, que significa “semelhante”, “igual”; a distinguir de seu homônimo “homo”, nominativo latino de homo, hominis, ou seja, “o homem”, “o gênero humano”, “um homem”. (N.T.). 2 Esses dois termos aparecem, pela primeira vez, na sua edição de 1998.


norma social como bizarro, estranho ou extravagante. E no pressuposto de que o mal vem sempre de fora, na França, a homossexualidade foi qualificada como “vício italiano” ou “vício grego”, ou ainda “costume árabe” ou “colonial”. À semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é sempre o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer identificação.
A recente preocupação com a hostilidade contra gays e as lésbicas modifica a maneira como a questão havia sido problematizada até aqui: em vez de se dedicar ao estudo do comportamento homossexual, tratado no passado como desviante, a atenção fixa-se, daqui em diante, nas razões que levaram a atribuir tal qualificativo a essa forma de sexualidade. De modo que o deslocamento do objeto de análise para a homofobia produz uma mudança tanto epistemológica quanto política: epistemológica porque se trata não tanto de conhecer ou compreender a origem e o funcionamento da homossexualidade, mas de analisar a hostilidade desencadeada por essa forma específica de orientação sexual; e política porque deixa de ser a questão homossexual (afinal de contas, banal do ponto de vista institucional),3 mas precisamente a questão homofóbica que, a partir de agora, merece uma problematização específica.
Independentemente de tratar-se de uma escolha de vida sexual ou de uma questão de característica estrutural do desejo erótico por pessoas do mesmo sexo, a homossexualidade deve ser considerada, de agora em diante, como uma forma de sexualidade tão legítima quanto a heterossexualidade. Na realidade, ela é apenas a simples manifestação do pluralismo sexual, uma variante constante e regular da sexualidade humana. Enquanto atos consentidos entre adultos, os comportamentos homoeróticos são protegidos – pelo menos, na França – como qualquer outra manifestação da vida privada.

3 A banalização institucional implica que os grandes aparelhos do poder normalizador – tais como a religião, o direito, a medicina ou a psicanálise – renunciem a abordar a questão homossexual; deste modo, os gays e as lésbicas têm a possibilidade de criar, individualmente, sua própria identidade e de negociar suas contribuições a uma cultura específica.


Por ser um atributo da personalidade, a homossexualidade deveria manter-se fora de qualquer intervenção institucional; do mesmo modo que a cor da pele, a filiação religiosa ou a origem étnica, ela deve ser considerada um dado não pertinente na construção política do cidadão e na qualificação do sujeito de direitos. Ora, de fato, se o exercício de uma prerrogativa ou a fruição de um direito deixaram de estar subordinados à filiação real ou suposta, a uma raça, a um ou ao outro sexo, a uma religião, a uma opinião pública ou a uma classe social, em compensação, a homossexualidade permanece um obstáculo à plena realização dos direitos. No âmago desse tratamento discriminatório, a homofobia desempenha um papel importante na medida em que ela é uma forma de inferiorização, consequência direta da hierarquização das sexualidades, além de conferir um status superior à heterossexualidade, situando- a no plano do natural, do que é evidente. Enquanto a heterossexualidade é definida pelos dicionários (Le Grand Robert, 1992; Le Petit Robert, 1996) como a “sexualidade (considerada como normal) do heterossexual” e este como aquele “que experimenta uma atração sexual (considerada como normal) pelos indivíduos do sexo oposto”, por sua vez, a homossexualidade está desprovida de tal normalidade.
Nos dicionários de sinônimos, nem há registro da palavra “heterossexualidade”; em compensação, termos tais como androgamia, androfilia, homofilia, inversão, pederastia, pedofilia, socratismo, uranismo, androfobia, lesbianismo, safismo e tribadismo são propostos como equivalentes ao de “homossexualidade”. E se Le Petit Robert considera que um heterossexual é simplesmente o oposto de um homossexual, este é designado por uma profusão de vocábulos4: gay, homófilo, pederasta, veado, salsinha, michê, boiola, bicha louca, tia, sandalinha, invertido, sodomita, travesti, lésbica, maria homem, homaça, hermafrodita, baitola, gilete, sapatão, bissexual. Essa

 4 Vocábulos citados no original: gay, homophile, pédéraste, enculé, folle, homo, lope, lopette, pédale, pédé, tante, tapette, inverti, sodomite, travesti, travelo, lesbienne, gomorrhéenne, tribade, gouine, bi, à voile et à vapeur. (N.T.).


desproporção no plano da linguagem revela uma operação ideológica que consiste em nomear, superabundantemente, aquilo que aparece como problemático e deixar implícito o que, supostamente, é evidente e natural. A diferença homo/hétero não é só constatada, mas serve, sobretudo, para ordenar um regime das sexualidades em que os comportamentos heterossexuais são os únicos que merecem a qualificação de modelo social e de referência para qualquer outra sexualidade. Assim, nessa ordem sexual, o sexo biológico (macho/fêmea) determina um desejo sexual unívoco (hétero), assim como um comportamento social específico (masculino/feminino). Sexismo e homofonia aparecem, portanto, como componentes necessários do regime binário das sexualidades. A divisão dos gêneros e o desejo (hétero) sexual funcionam, de preferência, como um dispositivo de reprodução da ordem social, e não como um dispositivo de reprodução biológica da espécie. A homofobia torna-se, assim,a guardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto de gênero (masculino/feminino). Eis por que os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles que não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade...
A homofobia é um fenômeno complexo e variado que pode ser percebido nas piadas vulgares que ridicularizam o indivíduo efeminado, mas ela pode também assumir formas mais brutais, chegando até a vontade de extermínio, como foi o caso na Alemanha Nazista. À semelhança de qualquer forma de exclusão, a homofobia não se limita a constatar uma diferença: ela a interpreta e tira suas conclusões materiais. Assim, se o homossexual é culpado do pecado, sua condenação moral aparece como necessária; portanto, a consequência lógica vai exigir sua “purificação pelo fogo inquisitorial”. Se ele é aparentado ao criminoso, então, seu lugar natural é, na melhor das hipóteses, o ostracismo e, na pior, a pena capital, como ainda ocorre em alguns países. Considerado doente, ele é objeto da atenção dos médicos e deve submeter-se às terapias que lhe são impostas pela ciência, em particular, os eletrochoques utilizados no Ocidente até a década de 1960.
Se algumas formas mais sutis de homofobia exibem certa tolerância em relação a lésbicas e gays, essa atitude ocorre mediante a condição de atribuir-lhes uma posição marginal e silenciosa, ou seja, a de uma sexualidade considerada como inacabada ou secundária. Aceita na esfera íntima da vida privada, a homossexualidade torna-se insuportável ao reivindicar, publicamente, sua equivalência à heterossexualidade. A homofobia é o medo de que a valorização dessa identidade seja reconhecida; ela se manifesta, entre outros aspectos, pela angústia de ver desaparecer a fronteira e a hierarquia da ordem heterossexual. Ela se exprime, na vida cotidiana, por injúrias e por insultos, mas aparece também nos textos de professores e de especialistas ou no decorrer de debates públicos.
A homofobia é algo familiar e, ainda, consensual, sendo percebida como um fenômeno banal: quantos pais ficam inquietos ao descobrir a homofobia de um(a) filho(a) adolescente, ao passo que, simultaneamente, a homossexualidade de um(a) filho(a) continua sendo fonte de sofrimento para as famílias, levando-as, quase sempre, a consultar um psicanalista? Invisível, cotidiana, compartilhada, a homofobia participa do senso comum, embora venha a culminar, igualmente, em uma verdadeira alienação dos heterossexuais. Por essas razões é que se torna indispensável questioná-la no que diz respeito tanto às atitudes e aos comportamentos quanto a suas construções ideológicas. O que é a homofobia? Quais são suas relações com as outras formas de estigmatização? Quais são suas origens? De que modo e a partir de quais discursos foram construídas a supremacia heterossexual e a desvalorização correlata da homossexualidade? Como definir a personalidade homofóbica? Quais são os recursos à nossa disposição para lutar contra essa forma de violência? No decorrer dos quatro capítulos deste livro, vamos tentar responder a essas questões, e nossa conclusão é apresentada sob a forma de proposição de ação.
Começaremos nosso estudo pela análise das definições possíveis e dos problemas terminológicos encontrados quando se trata de circunscrever o fenômeno homofóbico. Além disso, para compreender melhor o alcance da questão e de suas principais implicações, vamos colocá-la sob a perspectiva de outras formas de exclusão, tais como o racismo, o antissemitismo, o sexismo ou a xenofobia. Em um segundo momento, vamos dedicar-nos ao estudo das origens do ódio homofóbico. A relativa tolerância que o mundo pagão havia reservado às relações homossexuais contrasta, consideravelmente, com a hostilidade do cristianismo triunfante.
A condenação da sodomia na tradição judaico-cristã – pedra angular do sistema repressivo – aparece como o elemento precursor fundamental das diferentes formas de homofobia. Analisaremos, em seguida, a ideologia heterossexista veiculada pelas principais doutrinas que substituem a noção de “vício sodomítico” pela noção de “perversão sexual” e que, daí em diante, consideram a homossexualidade como um “acidente na evolução afetiva”, uma “regressão da cultura amorosa”, uma “simples escolha de vida privada”, um “vício burguês” ou um “perigo para a raça”. Já não será em nome da ordem natural, nem em nome da religião que gays e lésbicas serão objeto das perseguições, mas em nome da psiquiatria, da antropologia, da consciência de classe e/ou da higiene do 3º Reich, que, ao substituir a teologia, hão de reatualizar, com eficácia, o ódio homofóbico. A dupla dimensão da questão, rejeição irracional (afetiva), por um lado, e, por outro, construção ideológica (cognitiva), obriga-nos a considerá-la no plano individual e no social. Assim, as predisposições psicológicas da personalidade homofóbica e os elementos do meio circundante heterossexista serão objeto da quarta parte deste livro. Por último, a guisa de conclusão, vamos nos interessar pelas estratégias institucionais, preventivas e/ou repressoras, suscetíveis de lutar contra essa forma específica de hostilidade e de exclusão.




Nenhum comentário:

Postar um comentário