UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIENCIAS HUMANAS E TECNOLOGICAS
CAMPUS XVI-IRECE BAHIA
CURSO: LICENCIATURA EM LETRAS DISCIPLINA: O ESTÉTICO E O LÚDICO NA LITERATURA INFANTO - JUVENIL
DOSCENTE: MARCIA REGINA
DISCENTE: ADSON MOREIRA DE SOUZA
José Bento Monteiro Lobato foi, sem duvida, o maior escritor infanto-juvenil brasileiro. Suas obras são repletas de sonhos, de ideias progressistas e libertarias, de críticas sociais ao país que tanto defendeu apresentada sob a ótica das personagens do “sitio do pica pau amarelo”.
Monteiro Lobato esteve em contato com as ideias pedagógicas de Anísio Teixeira e torna-se grande amigo do educador baiano. Com as ideias de Anísio Teixeira transformara sua literatura.
A reunião de 23 livros escritos por Monteiro Lobato, que contam as histórias de Dona Benta, Tia Nastácia, Narizinho, Pedrinho, Emília e Visconde de Sabugosa, formam sua mais importante obra, conhecida como O sítio do Pica-Pau Amarelo.
A palavra-chave para definir o Sítio é liberdade, pois nele não existem pais, adultos que impõem tarefas e reprimem atitudes, ou como Emília explica: "por isso acho que o único lugar do mundo onde há paz e felicidade é no sítio Dona Benta. Tudo aqui corre como um sonho. A criançada só cuida de duas coisas: brincar e aprender. As duas velhas só cuidam de nos ensinar o que sabem e de ver que tudo ande a hora e a tempo".
O universo que ele cria é amplo demais, como o próprio Lobato diz: "ainda acabo fazendo livros onde as crianças possam morar, não ler e jogar fora".
Conhecendo melhor a personagem Emília
É uma boneca de pano feita pela Tia Nastácia, que começou a falar quando engoliu uma pílula feita pelo Dr. Caramujo e não parou mais. É muito independente, ela acredita que "a verdade é uma espécie de mentira bem pregada das que ninguém desconfia". Se comporta como a porta-voz do autor, sendo ela a personagem que faz as críticas salgadas à sociedade e expõe seu ponto de vista.
"Emília foi feita por tia Nastácia, com olhos de retrós preto e sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma bruxa. Apesar disso Narizinho gosta muito dela; não almoça nem janta sem a ter ao lado, nem se deita sem primeiro acomodá-la numa redinha entre dois pés de cadeira". (Apresentação da personagem no quarto parágrafo do livro Reinações de Narizinho).
"Emília engoliu a pílula, muito bem engolida, e começou a falar no mesmo instante. A primeira coisa que disse foi: 'Estou com um horrível gosto de sapo na boca!' E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar. Falou tanto que Narizinho, atordoada, disse ao doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela pílula e engolir outra mais fraca".
Ela é a única personagem de Monteiro Lobato que tem uma evolução, sendo a mais importante personagem de Lobato. Age como um protótipo de super-homem e representa os desmandos do capitalismo. Com sua vontade de domínio e exacerbado individualismo, é obstinada em conseguir o que quer e manter seu ponto de vista. Suas características mais marcantes são seu espírito de liderança e curiosidade aberta.
Ela é a única personagem de Monteiro Lobato que tem uma evolução, sendo a mais importante personagem de Lobato. Age como um protótipo de super-homem e representa os desmandos do capitalismo. Com sua vontade de domínio e exacerbado individualismo, é obstinada em conseguir o que quer e manter seu ponto de vista. Suas características mais marcantes são seu espírito de liderança e curiosidade aberta.
Por ser boneca, e não gente, pode apresentar todos os pecados infantis como: mal criação, egoísmo infantil, rebeldia, birra, teimosia, interesse e certa maldade ingênua.
Emília no país da Gramática
Para fazer uma reflexão sobre a personagem podemos analisar o livro Emília no país da gramática, onde poderemos notar a presença constante do autor nas criticas e reflexões feitas por Emília.
Emília no país da Gramática é um livro infantil publicado em 1934. A obra fictícia reproduziu a indignação do autor ao observar uma escola cuja metodologia reprime, e induz o aluno a viver rotulado de ideias que até aos próprios professores chocam.
Monteiro Lobato, um homem de visão ampla, voltada para o futuro, lutou com todas as forças pelo progresso do país e pela causa dos oprimidos e rejeitados pela sociedade. Integrou-se tanto a esse trabalho que deu sua vida, sentimentos e convicções aos seus personagens, principalmente a boneca Emília, personagem principal de suas obras.
Ao criar Emília no país da gramática, Lobato transformou todos os conceitos até então vigentes na gramática normativa em cidades e em pessoas, de modo a facilitar o entendimento da complicada língua portuguesa.
O livro é dividido em 27 capítulos de modo que o trabalho da gramática não assustasse ao leitor. Observemos somente os alguns capítulos da obra.
No primeiro capitulo “Uma ideia da senhora Emília”, Dona Benta relembra Pedrinho, todos os dias, os conceitos gramaticais aprendidos na escola. Este, por sua vez, reclama que o professor exigia que os alunos decorassem as nomenclaturas que só dificultavam mais o aprendizado. Enfim acabou cedendo e percebeu que, por meio da avó, a tal gramática virava até brincadeira.
Eis que entra em cena a protagonista das historias de Monteiro Lobato, Emília, que era basicamente a voz e a vez de Monteiro nas criticas ao ensino de português. Ela espiava as aulas de Pedrinho e teve a ideia de visitar o “pais da gramática”. Transpondo o limite entre o real e o maravilhoso, percebem que se aproximam do país porque o ar chiava de modo estranho: eram os sons orais. A partir desse ponto da história começam as discussões linguísticas propostas por Emília, a qual condena, assim como seu criador, o uso de nomenclaturas complexas e inúteis a nossa linguagem, a qual todos alfabetizados ou não, utilizamos de acordo com conhecimentos internalizados e nosso registro social.
Percebe-se também um posicionamento favorável de Lobato em relação à arbitrariedade do signo linguístico, no episodio em que Emília batiza o rinoceronte de “quindim”, e ao ser questionada por Pedrinho sobre qual a relação do nome com o paquiderme, responde que “nome é nome, não precisa ter relação com o nomado”
“— Que tantas cidades são aquelas, Quindim? — perguntou Emília.
Todos olharam para a boneca, franzindo a testa. Quindim? Não
havia ali ninguém com semelhante nome.
— Quindim — explicou Emília — é o nome que resolvi botar no rinoceronte.
— Mas que relação há entre o nome Quindim, tão mimoso, e um
paquiderme cascudo destes? — perguntou o menino, ainda surpreso.
— A mesma que há entre a sua pessoa, Pedrinho, e a palavra
Pedro — isto é, nenhuma. Nome é nome; não precisa ter relação com o
“nomado”. Eu sou Emília, como podia ser Teodora, Inácia, Hilda ou
Cunegundes. Quindim!. . . Como sempre fui a botadeira de nomes lá do
sítio, resolvo batizar o rinoceronte assim — e pronto! Vamos, Quindim,
explique-nos que cidades são aquelas.”
Lobato,1934, Pg14
Como afirma Saussure, “o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural de realidade” (CARVALHO, 1997, P. 36).
Monteiro Lobato se utiliza da personagem Emília que nos leva a perceber o quanto a gramática complica o uso da língua enfatizando termos que não fazem parte do ato da fala. Ele critica por meio de Emília os neologismos que são considerados defeitos na cidade das palavras.
“— Essas que aí vêm são o oposto dos Arcaísmos — disse Quindim. — São os NEOLOGISMOS, isto é, palavras novíssimas, recém saídas da fôrma.
— E moram também nestes subúrbios de velhas?
— Em matéria de palavras a muita mocidade é tão defeito como
a muita velhice. O Neologismo tem de envelhecer um bocado antes que
receba autorização para residir no centro da cidade. Estes cá andam em
prova. Se resistirem, se não morrerem de sarampo ou coqueluche e se
os homens virem que eles prestam bons serviços, então igualam-se a
todas as outras palavras da língua e podem morar nos bairros decentes.
Enquanto isso ficam soltos pela cidade, como vagabundos, ora aqui, ora ali.
Estavam naquele grupo de Neologismos diversos que os meninos
já conheciam, como Chutar, que é dar um pontapé; Bilontra, que quer
dizer um malandro elegante; Encrenca, que significa embrulhada,
mixórdia, coisa difícil de resolver.”
Lobato,1934, Pg14
Nesse ponto Lobato mostra a situação dos gramáticos conservadores em aceitar as mudanças na língua propostas pela fala, a qual evolui com o passar do tempo, enquanto que o registro gramatical fica preso ao passado.
“— São palavras da Gíria, criadas e empregadas por malandros
ou gatunos, ou então por homens dum mesmo ofício. A especialidade
delas é que só os malandros ou tais homens dum mesmo ofício as
entendem. Para o resto do povo nada significam.”
Lobato,1934, Pg15
“Toda esta rapaziada é gentinha da Gíria, como
eu. Preste atenção naquela de olho arregalado. É a palavra Otário, que
os gatunos usam para significar um "trouxa" ou pessoa que se deixa
lograr pelos espertalhões. Com a palavra Otário está conversando outra
do mesmo tipo, Bobo.”
Lobato,1934, Pg15
Lobato faz referencia as Gírias que também são neologismos geralmente utilizados pelos marginalizados da sociedade, processo esse que promove o preconceito social.
“Narizinho parou diante duma palavra muito velha, bem coroca,
que estava catando pulgas históricas à porta dum casebre. Era a palavra Bofé.
— Então, como vai a senhora? — perguntou a menina, mirando-a de alto a baixo.
— Mal, muito mal — respondeu a velha. — No tempo de dantes
fui moça das mais faceiras e fiz o papel de ADVÉRBIO. Os homens
gostavam de empregar-me sempre que queriam dizer Em verdade,
Francamente. Mas começaram a aparecer uns Advérbios novos, que
caíram no gosto das gentes e tomaram o meu lugar. Fui sendo
esquecida. Por fim, tocaram-me lá do centro. "Já que está velha e inútil,
que fica fazendo aqui?", disseram-me. "Mude-se para os subúrbios dos
Arcaísmos", e eu tive de mudar-me para cá.
— Por que não morre duma vez para ir descansar no cemitério?
— perguntou Emília com todo o estabanamento.
— É que, de quando em quando, ainda sirvo aos homens.
Existem certos sujeitos que, por esporte, gostam de escrever à moda
antiga; e quando um deles se mete a fazer romance histórico, ou conto
em estilo do século XV, ainda me chama para figurar nos diálogos, em
vez do tal Francamente que tomou o meu lugar.”
Lobato,1934, Pg13
Podemos perceber nesse fragmento que Monteiro Lobato mostra a evolução das palavras revelando os arcaísmos. Quando se refere ao advérbio, que era uma “velha bem coroca” e destacando a produção literária de alguns escritores que se utilizam dos métodos estilísticos do séc. XV. Esse comentário é pertinente no que se refere a constante mudança da língua portuguesa escrita, pois o novo acordo ortográfico promoveu mudanças importantes para escrita de nossa língua e que os escritores de textos literários, principalmente, perderam em sua maioria as linguagens rebuscadas e difíceis de entendimento que os caracterizaram durante épocas. Podemos exemplificar essa passagem com o nome de Oswald de Andrade com seus poemas nacionalistas, como no poema Canto de regresso à pátria (in Poesias Reunidas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971.) onde ele se utiliza das belezas do nosso país para exalta-lo utilizando uma linguagem que nos remete a varias interpretações.
Tendo em vista que o estudo da gramática é importante no que diz respeito à aprendizagem escolar, Monteiro Lobato enfatiza em sua obra Emília no país da gramática que a mesma pode ser fixada de forma mais prazerosa e divertida, esquecendo um pouco do que geralmente é cobrado na escola, decorando cada classificação, por exemplo, e tornado o estudo mais eficaz, afinal, na obra se aprende gramática brincando, viajando. Tudo isso por intermédio do seu personagem principal que é a Emília que expõe suas ideias tornando a obra um veiculo de reflexão não só para as crianças, mas para adultos também.