Aristóteles e o papel da razão: Nada está no intelecto antes de ter passado
pelos sentidos
Apesar
de ter sido discípulo de Platão durante vinte anos, Aristóteles (384-322 a.C.)
diverge profundamente de seu mestre em sua teoria do conhecimento. Isso pode
ser atribuído, em parte, ao profundo interesse de Aristóteles pela natureza
(ele realizou grandes progressos em biologia e física), sem descuidar dos
assuntos humanos, como a ética e a política.
Para
Aristóteles, o dualismo platônico entre mundo sensível e mundo das ideias era
um artifício dispensável para responder à pergunta sobre o conhecimento
verdadeiro. Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma com o mundo
das ideias, mas da experiência sensível. "Nada está no intelecto sem antes
ter passado pelos sentidos", dizia o filósofo.
Isso
significa que não posso ter ideia de um teiú sem ter observado um diretamente
ou por meio de uma pesquisa científica. Sem isso, "teiú" é apenas uma
palavra vazia de significado. Igualmente vazio ficaria nosso intelecto se não
fosse preenchido pelas informações que os sentidos nos trazem.
Mas
nossa razão não é apenas receptora de informações. Aliás, o que nos distingue
como seres racionais é a capacidade de conhecer. E conhecer está ligado à
capacidade de entender o que a coisa é no que ela tem de essencial. Por
exemplo, se digo que "todos os cavalos são brancos", vou deixar de
fora um grande número de animais que poderiam ser considerados cavalos, mas que
não são brancos. Por isso, ser branco não é algo essencial em um cavalo, mas
você nunca encontrará um cavalo que não seja mamífero, quadrúpede e herbívoro.
O
papel da razão
Conhecer
é perceber o que acontece sempre ou frequentemente. As coisas que acontecem de
modo esporádico ou ao acaso, como o fato de uma pessoa ser baixa ou alta, ter
cabelos castanhos ou escuros, nada disso é essencial. Aristóteles chama essas
características de acidentes.
O
erro dos sofistas (e de muita gente ainda hoje) é o de tomar algo acidental
como sendo a essência. Através desse artifício, diziam que não se pode
determinar quem é Sócrates, porque se Sócrates é músico, então não é filósofo,
se é filósofo, então não é músico. Ora, Sócrates pode ser várias coisas sem que
isso mude sua essência, ou seja, o fato de ser um animal racional como todos
nós.
Mas
como nós fazemos para conhecer a definição de algo e separar a essência dos
acidentes? Aí está o papel da razão.
A
razão abstrai, ou seja, classifica, separa e organiza os objetos segundo
critérios. Observando os insetos, percebo que eles são muito diferentes uns dos
outros, mas será que existe algo que todos tenham em comum que me permita
classificar uma barata, um besouro ou um gafanhoto como insetos? Sim, há: todos
têm seis pernas. Se abstrairmos mais um pouco, perceberemos que os insetos são
animais, como os peixes, as aves...
Ato
ou potência
E
poderíamos ir mais longe, separando o que é ser, do que não é. E aqui chegamos
à outra grande contribuição de Aristóteles: se o ser é e o não-ser não é, como
dizia Parmênides, então como é possível o movimento?
Segundo
Aristóteles, as coisas podem estar em ato ou em potência. Por exemplo, uma
semente é uma árvore em potência, mas não em ato. Quando germina, a semente
torna-se árvore em ato. O movimento é a passagem do ato à potência e da
potência ao ato.
Qual
a causa?
Por
outro lado, se as coisas mudassem completamente ao acaso, não poderíamos
conhecê-las. Conhecer é saber qual a causa de algo. Se tenho uma dor de
estômago, mas não sei a causa, também não posso tratar-me. Conhecendo a causa é
possível saber não só o que a coisa é, mas o que se tornará no futuro. Pois, se
determinado efeito se segue sempre de uma determinada causa, então podemos
estabelecer leis e regras, tal como se opera nos vários ramos da ciência.
Existem
quatro tipos de causas: a causa final, a causa eficiente, a causa formal e a
causa material. Por exemplo, se examinarmos uma estátua, o mármore é a causa
material, a causa eficiente é o escultor, a causa formal é o modelo que serviu
de base para escultura e a causa final é o propósito, que pode ser vender a
obra ou enfeitar a praça.
Há
uma hierarquia entre as causas, sendo a causa final a mais importante. A
ciência que estuda as causas últimas de tudo é chamada de filosofia. Por isso,
a tradição costuma situar a filosofia como a ciência mais elevada ou mãe de
todas as ciências, por ser o ramo do conhecimento que estuda as questões mais
gerais e abstratas.
Josué Cândido da Silva, Especial para a Página 3 Pedagogia &
Comunicação é professor de filosofia da Universidade Estadual de Santa Cruz em
Ilhéus (BA).